Terry Virts é uma das caras mais conhecidas da NASA, especialmente pelas fotos do espaço que partilha no seu Twitter e Instagram. Chegou a astronauta em 2010, passou mais de 200 dias no espaço, fez duas missões na Estação Espacial Internacional e três passeios espaciais “perigosos”, como descreveu ontem na National Geographic Summit, em Lisboa. Em 2016 reformou-se da NASA, não sem antes participar nas filmagens do documentário “A Beautiful Planet”, narrado pela atriz Jennifer Lawrence. A paixão pela fotografia ficou eternizada no livro que lançou em 2017, “View from Above”. Aos 50 anos, percorre o mundo para contar as lições que aprendeu sobre a Terra.
Passou 200 dias seguidos lá em cima. Que efeitos sentiu?
A questão da ausência de peso fez com que crescesse cerca de cinco centímetros. Quando voltei, regressei à minha altura normal poucas horas depois. Inchou–me muito a cabeça, porque os fluidos que temos no corpo sobem. Se não tivesse feito muito exercício teria perdido densidade óssea e músculos – perdi 0% de densidade óssea em 200 dias, o que é incrível! Há um risco de cancro muito acentuado, por causa da radiação – essa é uma ameaça. Emocionalmente, a minha atitude foi do tipo ‘é a minha vez de estar no espaço. Vou aproveitar, tirar fotografias e experienciar tudo, porque vou passar o resto da minha vida lá em baixo’. Felizmente, tínhamos skype ao fim de semana para falar com a família, podíamos ligar e enviar e-mails… não era como o Cristóvão Colombo, sem maneira de comunicar.
Como é estar no espaço?
O que se sente é que se está a cair, e a razão para isso é que… se está a cair. Ainda há gravidade lá – menos, claro, mas ainda há. Por isso, se estivesse lá em cima e deixasse cair isso [aponta para o gravador], cairia na direção do centro da Terra. A diferença é que se está a andar a 25 mil quilómetros por hora, oito quilómetros por segundo, por isso à medida que se cai em direção à Terra, cai-se para a frente, numa rota curvilínea, tal como a forma da Terra, e então fica-se em órbita. Basicamente o que acontece é que se está numa nave espacial onde tudo está a cair e levamos algum tempo a habituar-nos a essa sensação.
Devem pedir-lhe histórias das estadias no espaço. Quais costuma contar?
Bem, é muito fácil perder coisas no espaço [risos] e tenho uma história engraçada sobre isso. Uma vez, estava a trabalhar e tinha uma lanterna na boca e entretanto pu-la dentro da t-shirt, na parte da frente, para não a perder. Uns minutos depois voltei a precisar dela e não a encontrava. Olho em volta, à procura, tudo a flutuar à minha volta… de repente, senti uma comichão nas costas e fiquei tipo ‘o que raio é isto?’. Era a lanterna. É difícil seguir o rasto às coisas lá em cima…
Qual foi a coisa mais estranha que viu?
A Terra vista do espaço é muito estranha… Mas sabe uma coisa realmente estranha? A quantidade de satélites! Eu tirava fotografias em time lapse, tipo dois frames por segundo durante vinte minutos – em que se vê as estrelas em rotação e é mesmo muito bonito – e só nas fotos me apercebia de pequenos focos de luz, que eram os satélites.
E com óvnis, teve algum encontro?
Eu não vi nenhum… mas acredito que existam. Há mil milhões de estrelas e muitas delas têm planetas, como temos estado a descobrir. Por um lado, penso que tem de haver alguma coisa mais, mas, por outro, a vida é super complicada e não acredito que aconteça por si só, é preciso que alguém a faça acontecer. Além disso, está tudo tão longe… uma estrela levaria dezenas de milhares de anos, se não milhões de anos, a alcançar num foguetão. É muita comida que tens de empacotar! Por isso, mesmo que os óvnis existam, não sei se algum dia iremos vê-los…
Gostava de ter esse contacto?
Sim, esperemos é que o encontro fosse simpático… [risos] Mas, havendo vida inteligente por aí, não sei se viriam até aqui ou se não iriam antes a outro lado…
Na semana passada, a NASA enviou amostras de esperma para a Estação Espacial Internacional, para investigar se nos conseguiríamos reproduzir lá em cima…
Eu não me reproduzi lá em cima… foram 200 dias muito longos, digo-lhe… [risos]
Imagino que sim. Essa investigação da reprodução está ligada à colonização de Marte. Como vê essa intenção?
Vai ser arriscado pôr uma colónia humana noutro planeta. Mas, acho que Marte é o objetivo do século XXI. O dia lá tem 24,5 horas, a radiação é menor porque é mais distante do sol, há água – com um telescópio, aliás, consegue-se vê-la em forma de gelo -, tem uma atmosfera fina… Há muitos pontos a favor de Marte. Marte estava, no passado, coberta de água, agora é seca e deserta. Por isso, há muitas razões para irmos. Quanto a colonizar e viver lá para sempre… acho que acontecerá, mas é todo um outro nível de dólares. Pode acontecer a longo prazo, porque há água, mas vai envolver muito esforço e empenho.
Mas quão realista é essa aspiração?
É realista. O Homem colonizou a América, vocês portugueses até estiveram envolvidos nisso [risos]. Isso foi perigoso e levou centenas de anos. As coisas grandes e importantes levam muito tempo e esforço. E risco, muito risco. E pelo caminho, muitas pessoas morrem. Por isso, acho que vai acontecer mas vai demorar algum tempo. E não acho que os governos consigam fazê-lo, têm de ser iniciativas privadas. Os governos estão cheios de burocracias, são ineficientes… no grande plano da História humana, os governos não têm feito esse tipo de coisas necessariamente bem.
A SpaceX, por exemplo, tem estado a desenvolver investigação nesse sentido.
Viu o lançamento do Falcon Heavy? Foi a primeira vez que fiquei mesmo entusiasmado com o espaço em muito tempo. Enquanto eu estava no espaço, a SpaceX entregou duas naves de carga cheias de comida e outros produtos. Enviaram uma terceira, mas explodiu. Ainda assim, uma taxa de sucesso de dois em três é bastante bom [risos]. O trabalho da SpaceX vai permitir uma redução acentuada de custos no transporte espacial.
E o turismo espacial? Acha que num futuro próximo os comuns mortais vão conseguir ir de visita ao espaço?
Sim. A Blue Origin, a empresa do Jeff Bezos, está a construir o novo New Shepard Rocket com essa finalidade. Fiz uma visita guiada no mês passado: é uma cápsula espetacular, cada pessoa tem uma janela enorme. A ideia é subir até ao espaço, estar lá uns minutos e voltar. Vai ser incrível. E os custos não vão ser astronómicos… a classe média vai conseguir poupar dinheiro e viajar até lá.
Ainda há quem argumente que a Terra não é redonda, o Homem não foi à lua.
[risos] Há um tempo envolvi-me numa troca de tweets com um rapper que acha que a Terra é plana. Penso que essas pessoas só dizem isso para gozar, porque querem ter mais seguidores no Twitter. Da janela do avião consegue ver-se perfeitamente que a Terra é redonda. Há cerca de dois mil anos, os aqueménidas já tinham percebido isso. Eu nem consigo discutir sobre isso, porque é tão óbvio… Quanto à aterragem na lua, há fotografias das pegadas das botas. E pensemos nisto: o Bill Clinton não conseguiu esconder a Monica Lewinsky, como pode a NASA, com cem mil pessoas a trabalhar, juntar toda a gente na mesma conspiração? Não é possível. Se os soviéticos tivessem a mínima desconfiança teriam dito ao mundo. Se já foi por um fio que conseguimos ir lá, simular que tínhamos lá ido seria muito mais complicado.
Comandou a Estação Espacial Internacional (EEI). Como é vida diária?
Ocupada e rotineira. O dia começa com uma conferência matinal e depois toda a gente vai fazer o seu trabalho. Às vezes trabalhamos em pares, mas na maioria das vezes sozinhos. No final do dia, juntamo-nos todos para outra conferência. E depois vamos jantar, dormir e é tudo igual no dia seguinte. Sabe aquele filme muito americano, o “Groundhog Day”? É um filme muito estúpido, com o Bill Murray, em que ele faz de repórter e está a fazer a cobertura do Dia da Marmota. Passa lá o primeiro dia, no dia seguinte acorda e apercebe-se de que é tudo igual. É uma expressão americana: se fazes tudo igual todos os dias dizes que é um Groundhog Day… A Samantha, minha colega de equipa italiana na estação, nunca tinha visto o filme, então eu obriguei-a a vê-lo no espaço… a vida na EEI é como o Groundhog Day [risos].
Como é que o trabalho que um astronauta desenvolve no espaço pode influenciar a vida na Terra?
Um dos trabalhos que desenvolvi lá tinha a ver com medicamentos para atrofia óssea e muscular para uma farmacêutica. Trabalhei em vacinas contra o Ecoli ou a salmonela, fiz uma experiência chamada Capilary Flow, que pode ajudar os satélites a aproveitar todas as gotas de gasolina do depósito – o que significa que os satélites de comunicação vão ser mais baratos ou que a fatura de televisão vai ser menor todos os meses. Essa influência verifica-se de muitas maneiras e campos, da medicina, às várias ciências… Seja qual for a área, alguém está a desenvolver trabalho relacionado com ela na EEI.
Sempre quis ser astronauta. Agora, olhando para toda a sua experiência, como define o ser astronauta?
Há a parte divertida, de lançar um foguetão e de flutuar e, a sério, ver a Terra do Espaço é inacreditável, mas para mim uma aventura só é boa se tiver uma boa história. Contar a história é importante. Muitos astronautas chegam ao fim da carreira e partem para outra carreira, mas eu quero contar a história da exploração espacial e das lições que aprendi sobre a vida na Terra. O espaço foi apenas o meio para isso. Como vivemos aqui na Terra, como nos tratamos uns aos outros… essas foram as maiores lições que aprendi. E é isso que gosto de partilhar para inspirar as pessoas.
Que lições são essas?
São lições sobre riqueza global, sobre ser possível pessoas de diferentes nacionalidades trabalharem juntas e cooperarem no espaço – enquanto na Terra há inúmeros conflitos -, sobre as consequências da poluição no planeta…
Esteve envolvido no documentário “A Beautiful Planet”, sobre o espaço e a Terra. Como foi essa experiência?
Espetacular. Foi o que mais gostei de fazer no espaço, mesmo.
E a partir de agora, o que tem planeado para o futuro?
Para já, quero contar a minha história, com o meu livro, e tenho feito várias apresentações. E estou a adorar, é uma carreira nova, e estou a perceber que as pessoas estão famintas de espaço, têm muito interesse. Quero fazer isto durante algum tempo e depois não sei… Gosto de não ter um patrão, sinto-me livre [risos]. Ainda assim, trabalho muito mais agora, que estou reformado da NASA. Estou a fazer o que quero e espero que consiga ter uma influência nas pessoas.
Se tivesse de abandonar a Terra de vez, de repente, o que levava consigo?
Não podia ser uma pessoa?
Sim, podia…
Bem, uma pessoa seria egoísta da minha parte: não quereria levar alguém que não quisesse ir. Levava a minha pen com todas as minhas fotografias lá. Antigamente seria um álbum de fotografias, mas já não temos disso hoje…