O medo dos despejos já não se limita aos moradores dos prédios detidos pela Fidelidade, estendendo-se agora também ao alojamento local. É o caso do hostel YES! Hostel, localizado na Baixa de Lisboa e considerado, entre 2012 e 2015, o ‘melhor hostel do mundo’ pela Hostel World.
No final do ano passado, o hostel recebeu uma carta a anunciar a não renovação do contrato de arrendamento pela Fidelidade no último dia do prazo estipulado pelo contrato. Uma situação, diz André Mesquita, sócio-gerente, que «defrauda as suas expectativas» por nos últimos três anos terem estado a negociar a expansão do hostel para um edifício devoluto anexo e também a expansão do hostel que têm no Porto. «Fomos negociando com eles ao longo destes anos e nunca se comprometeram com nada. Íamos sempre enviando dados. Estabeleceu-se uma grande relação de confiança», diz André Mesquita. «Contratámos dois arquitetos que fizeram estudos prévios, visitas nas respetivas Câmaras Municipais [Lisboa e Porto], estudos vários, orçamentos, apresentações em Inglês para o acionista [chinês] Fosun, etc. Basicamente, tudo o que nos foi sendo pedido pelos Srs. com todos os custos a nossos encargo», afirmaram os responsáveis pelo estabelecimento num dos emails enviados à Fidelidade a que o SOL teve acesso. A expansão para o prédio devoluto em anexo iria representar um investimento entre 800 mil a um milhão de euros.
Para Mesquita, a Fidelidade «agiu de má-fé» e «defraudou as suas expectativas». Apesar da seguradora estar a agir conforme a lei, Mesquita e o sócio não vão ficar de braços cruzados: «Vamos avançar com um processo judicial [por expectativas defraudadas]. Já temos tudo preparado».
Miguel Santana, administrador da Fidelidade, confirmou ao SOL que manteve contactos com este arrendatário, mas nega «qualquer atuação de má fé».
Donos do Hostel puseram a hipótese de comprar prédio
Alertados pela intenção de venda de imóveis por parte da Fidelidade, nas últimas semanas os sócios-gerentes contactaram a seguradora para demonstrarem disponibilidade em renovar o contrato ou para comprar o prédio do hostel localizado em Lisboa, mas receberam resposta negativa. «No nosso caso não estão disponíveis nem para renovar o contrato nem para vender. Simplesmente querem-nos na rua», acusa Mesquita. «Dizem-nos que as últimas ordens que vieram da China é que é para vender tudo [património imobiliário da Fidelidade]», denuncia. «Neste momento [a Fidelidade] não dispõe de visibilidade sobre o uso futuro a afetar ao imóvel, se de continuidade do arrendamento para exploração de um hostel, ou de um outro, mas acredita que a breve prazo existirão condições que permitam prosseguir com negociações com os atuais arrendatários», reage Miguel Santana. O administrador garante ainda que a seguradora «efetua uma gestão ativa e profissional do seu portfólio e a todo o momento toma decisões coerentes com a sua politica de investimento».
Ao contrário do que se possa pensar, o hostel nasceu anos antes do setor do alojamento local se ter desenvolvido significativamente depois da aprovação da lei do arrendamento urbano pelo anterior Governo PSD-CDS, em 2012. Criado em 2008 por Sérgio Pêgo e André Mesquita, o hostel ocupou e reabilitou um prédio devoluto na Rua São Julião, na Baixa de Lisboa, com um investimento na ordem dos 400 mil euros. Nos dez anos de contrato, o hostel, afirmou o responsável, pagou todas as rendas e cumpriu todas as cláusulas do contrato. «Montámos um hostel que rapidamente se tornou no melhor da cidade e do mundo. Passados dois anos estávamos a ganhar o prémio de melhor do mundo [da Hostel World, entre 2012 e 2015]. Tornámo-nos numa referencia mundial», disse Mesquita. Na parede do hostel, figuram também outros prémios, como o de PME Líder em 2016, atribuído pelo Turismo de Portugal, e de PME Excelência em 2017, concedido pelo IAPMEI e pelo Turismo de Portugal.
Hoje, os dois hósteis empregam 28 trabalhadores com contratos efetivos. «Trabalho aqui faz tempo [quatro anos] e dependo dele para viver», diz Débora Macedo, de 27 anos, funcionária do hostel na capital desde que chegou do Brasil, há quatro anos. «Portugal, para imigrantes, não é muito fácil. Não é fácil arranjar um emprego com contrato. O hostel emprega muitas pessoas», .
Antes de trabalhar no hostel, Débora esteve empregada num restaurante, mas sem contrato, o que a impedia de regularizar a situação no país.
Para os sócios, este projeto do desfecho foi igualmente inesperado. «Alugámo-lo [o imóvel em Lisboa] à Indocaixa, que pertencia ao património da Caixa Geral de Depósitos e que foi desagregada no último governo, passando para a Fidelidade, que entretanto foi adquirida pela Fosun», explicou Mesquita, relacionando a privatização da seguradora como o não avançar das negociações de expansão do hostel e a atual situação. Agora, temem que a 30 de novembro tenham de encerrar as portas e de entregar as chaves à Fidelidade. O futuro do projeto no Porto parece-lhes igualmente nubloso: como o imóvel também é detido pela Fidelidade, receiam que quando o prazo de aviso de não renovação de contrato se aproximar recebam uma carta idêntica. Até lá, mantêm a esperança de que a Fidelidade não avance com a alienação dos imóveis e se demonstre disponível para se voltar sentar à mesa das negociações.