Não é uma graça. Se estou há um ano a dizer que o atual Governo adotou tanto a estratégia (exportações e investimento estrangeiro) quanto os objetivos (redução da dívida e do défice) do Governo anterior, os últimos dias demonstraram o quão evidente isso se tornou. Com o humor habitual, o Economist escreveu que o sucesso «deste Governo de esquerda» se deve ao facto de «não ser especialmente de esquerda».
«Está concentrado no défice e na dívida e não no investimento em serviços públicos. Um Governo de centro-direita estaria a fazer o mesmo», relata a publicação britânica, que foi a São Bento ver o paradoxo de perto. E há mais. Neste semanário, o deputado socialista Miranda Calha afirma que o PS não governaria de maneira diferente se tivesse vencido as legislativas de 2015 e não precisasse da ‘geringonça’, ao mesmo tempo que Mariana Mortágua passou a semana a queixar-se de António Costa governar como se tivesse a maioria absoluta que não tem.
Não terá sido sempre assim?
Costa não nacionalizou indústria nenhuma, não renegociou dívida nenhuma, nunca colocou em causa a relação com a União Europeia ou com a NATO, não reverteu a lei laboral de Passos ou a lei das rendas de Cristas, reforçou o compromisso com a zona euro, tem um ministro a presidir o Eurogrupo e foi até além da meta do défice exigida por Bruxelas. Não se trata propriamente de uma esplendorosa exibição de esquerdismo.
Quando os quatro anos do seu primeiro Governo terminarem, Costa terá cumprido todos os objetivos que Pedro Passos Coelho propunha para o seu segundo Governo: défice zero, redução substancial da dívida, aumento das exportações, foque no crescimento económico e (sim, estava no programa) devolução de rendimentos. Como o Economist dizia, «um Governo de centro-direita estaria a fazer o mesmo».
Significa isto que, do CDS ao Bloco de Esquerda, a única coisa que hoje divide o espectro político português não tem nada de programático. Afinal, aquilo que separava a esquerda da direita em 2015 não era mais do que uma questão de personalidade (a de Passos Coelho), uma questão de timing (da devolução de rendimentos) e uma questão de spin («o fim da austeridade»). Esse apressar na devolução de rendimentos obrigou a um desinvestimento nos serviços públicos cujas consequências assistimos todos os dias. Para uns, será uma opção legítima. Para os pais de crianças cuja quimioterapia é feita em corredores, não tanto. Mas que isso não tem nada a ver com esquerda ou direita, não tem. O dinheiro – ou a falta dele – não mudou por milagre. O que mudou foi que agora todos dizemos que «só com contas públicas sãs é possível desenvolver políticas sociais e de crescimento económico». Em três anos, a ‘geringonça’ – radical, populista, eurocética e de extrema-esquerda – não pôs um pé na governação. Parabéns a quem perdeu tempo a fazer-lhe oposição. A mim me incluo.