Sporting. A roda-viva diretiva que não pára desde 1986

João Rocha foi o último presidente leonino verdadeiramente incontestado e respeitado por iguais e rivais. Desde 1986, os leões tiveram dez presidentes e poucos foram os que conseguiram escapar a grandes polémicas, desde as unhas do leão de Jorge Gonçalves aos castigos de Bruno de Carvalho via Facebook

Era um barril de pólvora pronto a explodir a qualquer momento já há muito tempo. Explodiu na última sexta-feira, quando a grande maioria do plantel do Sporting se uniu num comunicado conjunto a insurgir-se contra os ataques do próprio presidente, na sequência da derrota em Madrid, perante o Atlético (2-0), na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa. «Já tinha passado por muito na minha carreira, mas por uma destas ainda não», atirou Jorge Jesus, treinador e principal mediador do conflito que se abateu no seio de uma das maiores instituições desportivas do país.

Bruno de Carvalho é o nome principal em toda a história. O 42.º presidente da história do Sporting é também um dos mais polémicos – e faz questão de o frisar sempre que pode. Assim que viu a tomada de posição dos jogadores, entre os quais pesos pesados como Rui Patrício, William Carvalho ou Gelson Martins, o líder dos leões anunciou a suspensão imediata dos ‘insurrectos’, a quem apelidou de «meninos mimados» e «amuados». Após uma reunião conjunta, o castigo foi levantado e os atletas foram a jogo frente ao Paços de Ferreira, mas pouco antes da partida ter início, Bruno de Carvalho voltou à carga: mais uma vez através de uma publicação no Facebook, voltou a criticar o comportamento dos jogadores, anunciando a manutenção de processos disciplinares e acusando ainda alguns atletas de «ameaças e pressões» a colegas, numa das últimas partilhas publicadas por Bruno de Carvalho, que no dia seguinte encerrou a conta naquela rede social, depois de ter sido vaiado e brindado com pedidos de demissão pela maioria dos 40 mil adeptos que se deslocaram a Alvalade para ver a partida com o Paços – que o Sporting venceu por 2-0, com o plantel a ser aplaudido de pé pelo estádio.

Os conflitos das marcas

O autêntico terramoto que varreu Alvalade não foi, todavia, apaziguado pelo triunfo – sendo que a administração leonina viria, na quarta-feira, a anunciar a retirada dos processos disciplinares ao plantel. O mundo sportinguista ficou dividido perante um presidente que, é unânime, tem de facto mostrado trabalho e apresenta obra feita nos cinco anos que leva no cargo, nomeadamente no que respeita ao aspeto financeiro e às modalidades extra futebol, mas que tarda em conseguir devolver a glória no futebol – apesar do investimento milionário em jogadores e no técnico, Jorge Jesus – e que, acima de tudo, apresenta traços preocupantes do ponto de vista da democracia, com pouca tolerância para com a crítica e a oposição.

De imediato, o presidente da Mesa da Assembleia-Geral (AG), Jaime Marta Soares, exigiu a marcação de uma AG para votar a demissão de Bruno de Carvalho. Pouco depois, foi o presidente do clube a pedir uma AG para… demitir o presidente da mesma. Abrantes Mendes, antigo presidente da Mesa da AG, disse que Bruno não se irá demitir porque «precisa mais do Sporting do que o Sporting precisa dele». «Tem um problema de personalidade. É um homem que, neste momento, precisa de muita ajuda, não está bem. Não sei do que padecerá, mas não está bem», atirou. Eduardo Barroso, assumido defensor de Bruno de Carvalho, revelou mesmo acreditar que o presidente dos leões está em ‘burnout’, num «stress brutal».

A própria Holdimo, empresa de Álvaro Sobrinho que detém 30 por cento do capital da SAD leonina (a maior acionista, logo a seguir ao clube), anunciou que irá requerer a realização de uma AG com caráter de urgência para «debater e resolver os problemas internos» do Sporting. Até porque, como ressalvou ao i Carlos Coelho, especialista em criação/gestão de marcas, «a marca Bruno de Carvalho não alinha com a marca Sporting e está a prejudicar o clube».

A turbulência chegou em 1986

Bruno de Carvalho, na verdade, é o mais recente de uma linhagem de líderes sportinguistas que marcam uma clivagem na vida do clube em relação a tempos mais distantes. O último presidente anti-turbulência foi João Rocha, que ocupou o cargo entre setembro de 1973 e outubro de 1986. Foram 13 anos, o mais longo mandato de sempre no clube, polvilhado por vitórias no futebol, mas principalmente nas outras modalidades, com vários títulos internacionais – entre os quais o Ouro e a Prata olímpicos de Carlos Lopes em 1984 e 1976.

Protagonizou, é certo, algumas guerras com rivais, nomeadamente o emergente Pinto da Costa, que começava a levar o FC Porto para patamares há muito inalcançáveis no clube, mas ainda assim granjeou consensos e um estatuto de respeito bem patente aquando da sua morte, a 8 de março de 2013.

A 3 de outubro de 1986, João Rocha disse adeus ao clube, alegando motivos de saúde. Avançou Amado de Freitas, que durante a gerência de João Rocha já havia desempenhado diversos cargos na estrutura leonina, mas o mandato foi curto e discreto: um ano e oito meses onde o único ponto a realçar foi a inesquecível goleada sobre o eterno rival Benfica (7-1). Não se recandidatou às eleições de junho de 1988, abrindo portas para a entrada de um dos mais polémicos presidentes da história do Sporting: Jorge Gonçalves.

Antigo campeão nacional de vela e despachante alfandegário de profissão, tinha a alcunha de Bigodes, fruto da farta densidade pilosa que ostentava acima do lábio superior. Famoso ainda antes de ser candidato por ter negociado a contratação da estrela holandesa Frank Rijkaard, que à última hora caiu por terra, lançou a candidatura à presidência com a promessa de mais contratações sonantes, a que chamava as «unhas do leão». Acabaria por não conseguir cumprir o prometido, com o Sporting a entrar na maior crise financeira até então vista, que culminou com a demissão em bloco da direção a 18 de maio de 1989, numa altura em que o clube via vários atletas das diferentes modalidades a desertar para os rivais.

Voltou a candidatar-se em junho desse ano, mas perdeu as eleições para Sousa Cintra, pitoresco empresário algarvio que viria a ser, até hoje, o presidente com mais tempo no cargo desde João Rocha. Desbocado, de estilo popular e longe da linha aristocrática que marcava os antigos presidentes leoninos, Sousa Cintra fez obra (foi ele a inaugurar o museu do clube), mas fracassou no futebol: ganhou apenas uma Taça de Portugal (94/95), apesar do enorme investimento em jogadores e treinadores, como Marinho Peres, Bobby Robson ou Carlos Queiroz.

Acabou por não se recandidatar em 1995, abrindo caminho ao Projeto Roquette, idealizado por José Roquette, trineto do Visconde de Alvalade e neto de José de Alvalade (duas das grandes figuras da presidência leonina), e que visava a criação de uma estrutura empresarial, no apogeu da entrada das SAD no futebol. Pedro Santana Lopes foi a primeira face do projeto, mas acabou por ficar menos de um ano no cargo, não resistindo aos apelos da política. Aí, José Roquette chegou-se à frente e seria mesmo no seu mandato que o Sporting viria a pôr fim a um jejum de 18 anos sem ganhar um campeonato. O empresário licenciado em economia acabaria, porém, por entrar em rutura com Luís Duque, presidente da SAD, sendo substituído pelo vice Dias da Cunha, que fez da luta contra o «sistema» uma imagem de marca e festejou também ele um título nacional, em 2001/02. Apresentaria, contudo, a demissão após cinco anos no cargo, em solidariedade com José Peseiro, que se tinha demitido do comando técnico devido à forte contestação dos adeptos.

Seguiu-se Soares Franco, que desempenhou um papel importante sobretudo nas ligações com a banca. Tudo começou, todavia, a descambar de modo quase irremediável quando o gestor de empresas decidiu não se recandidatar. José Eduardo Bettencourt, outro destacado gestor que já fazia parte da cúpula diretiva nos mandatos dos dois presidentes anteriores, deixou o alto cargo no Banco Santander-Totta e assumiu a direção leonina, mas falhou totalmente na gestão do futebol, com três treinadores e três diretores desportivos em apenas 19 meses – e zero títulos, claro está. Em fevereiro de 2011, Godinho Lopes, também ele já um antigo dirigente do clube, apresentou-se como o «candidato da continuidade», ao contrário dos outros quatro, que prometiam uma rutura total com o passado (entre os quais Bruno de Carvalho), e venceu as eleições, marcadas por forte polémica – o atual presidente chegou mesmo a ser anunciado como o vencedor e os seus apoiantes não se conformaram com os resultados finais, divulgados já perto das seis da manhã do dia 26 de março.

O mandato ficou marcado pelo ‘caso Pereira Cristóvão’, com o então vice-presidente leonino a acabar demitido do cargo após acusações de ter depositado dois mil euros na conta de um árbitro auxiliar antes de um jogo com o Nacional, mas também pelos pobres resultados desportivos e, principalmente, pelos gastos desmesurados em contratações e salários. Godinho Lopes acabou por ser acusado de gestão danosa e irresponsável – os processos judiciais ainda estão em curso -, tendo inclusive sido expulso de sócio em junho de 2015, e é considerado por muitos como o pior presidente da história do clube.

E eis que, a 23 de março de 2013, chegou Bruno de Carvalho ao poder – o décimo presidente desde 1986; no mesmo período, o Benfica teve sete… e o FC Porto um. Por agora, não se vislumbram no horizonte imediato novas eleições – embora já haja vários nomes apontados ao lugar, como Rogério Alves, Paulo Lopo ou António Pires de Lima, e até um candidato: Bruno Conceição, sobrinho-neto de José Travassos, velha glória do clube de Alvalade. Ainda assim, é legítimo pensar que o reinado de Bruno de Carvalho pode estar perto de um fim trágico, mas causado, ironicamente, pelo próprio.