Não há quem, pelos dia da infância, não tenha dado com alguma pedra de brilho esquisito, ou dourada ou com um brilho cristalino, atravessando-se na retina e despertando uma ambição de riqueza desmedida. É o sonho de qualquer um tropeçar num tesouro, nem que seja um osso de algum dinossauro. E há depois os que se encantaram menos com o lado da acção e mais com aquele ângulo de aventura nos filmes de Indiana Jones que se prendem com o ir vasculhar nas zonas mais íntimas da antiguidade, túmulos e antros ocultos, tesouros escondidos no fundo de alguma lenda. E, para alimentar este imaginário, de tempos a tempos surge uma dessas notícias que nos vem lembrar que o mundo é vasto e não houve ainda tempo de saquear todos os escaninhos onde o passado tem descansado longe da ganância do futuro.
As ilhas remotas e selvagens sempre foram um bom sítio para esconder tesouros. E Luca Malaschnichenko teve a imensa sorte de fazer uma descoberta aos 13 anos pela qual outros deram toda uma vida. Fê-lo numa ilha, e na companhia de um apaixonado por arqueologia alguns anos mais velho. Este tesouro de moedas de prata, pérolas, colares, broches e até um martelo de Thr, do final do século X, estava enterrado em Rügen, uma ilha do norte da Alemanha, banhada pelo mar Báltico.
Foi no primeiro mês do ano que o achado se fez, num terreno agrícola nos arredores da aldeia de Schaprode. E como foi que Luca deu com ele? Estava a fazer um rastreamento com um detector de metais com René Schön, voluntário num programa de arquologia local. O detector pôs-se aos gritinhos, e os dois aperceberam-se de que alguma coisa estariam por ali. Não foi preciso grandes escavações para darem com os primeiros fragmentos de moedas da margem sul do Báltico e da época do rei Harald Blatand, também conhecido em português como Haroldo I da Dinamarca ou Haroldo Dente-Azul (tradução do inglês – "Bluetooth" -, sendo que este nome que hoje conhecemos mais das tecnologias foi escolhido por um engenheiro da Intel que estava a ler um livro sobre vikings quando baptizou o sistema de comunicação inalâmbrica.
Assim que os dois amigos comunicaram o achado, uma equipa de arqueólogos da região fez uma primeira análise dos fragmentos e logo se apercebeu que podiam estar diante de um "tesouro excepcional". Como notou o arqueólogo Jantzen já depois da escavação, esta foi "a primeira vez que demos com um achado dessa época tão grande e de tanta qualidade no sul do Báltico".
Foi preciso esperar para estarem reunidos os meios, e só no fim-de-semana passado foi possível extrair o tesouro deste rei viking que morreu no ano 986 no norte da Europa. Harald converteu-se ao cristianismo, tendo sido responsável pela sua introdução na Dinamarca, império que fundou. As centenas de peças recuperadas deixaram os arqueólogos confiantes de que se tratavam do tesouro daquele rei devido às inscrições nas moedas e porque a data coincide com a sua fuga para Mecklemburgo-Pomerânia, depois de perder uma batalha contra o seu filho. Acredita-se que Harald Blatand enterrou este e outros tesouros durante esta retirada. Já em 1873, na ilha vizinha de Hiddensee, também no Báltico, foi descoberto um grande lote de objectos de ouro, pertencentes também à sua família.
Os cuidados e o esmero que se observa no acabamento das joias leva os arqueólogos a concluírem que se trata do trabalho de um ourives da corte. “As pessoas capazes de fazer estes trabalhos tão finos normalmente estavam incluídas no círculo mais próximo do rei”, explica o chefe dos arqueólogos locais. No lote há também uma joia do ano 714. Trata-se de um dirham de Damasco transformado em joia. Agora, tem início a fase de análise das peças, que Jantzem ainda não sabe onde virã a ser expostas.