É uma tendência que se tem verificado nos últimos tempos: se os primeiros restaurantes chineses a abrir no país – vai para décadas – tinham menus tão adaptados ao gosto ocidental que o verdadeiro paladar da China se perdeu na tradução, aos poucos começaram a abrir restaurantes que obedecem à verdadeira tradição daquele país.
Isto, achamos nós, por duas razões distintas: primeiro, os comensais tornaram–se mais rigorosos – fruto essencialmente da facilidade com que hoje se viaja, reservada há umas décadas para uma parte muito pequena da população, que depois os faz procurar por cá gastronomia o mais fiel possível ao que encontraram por lá. Em segundo, Portugal tornou-se a segunda casa de um número continuamente crescente de chineses que, embora fixados no país, continuam a buscar os sabores com que cresceram.
Posto isto, entrar num restaurante e ser recebido por dezenas de pares de olhos rasgados à volta da mesa é sinal de que estamos verdadeiramente a caminho do Oriente. E foi o que nos aconteceu no Restaurante Quanjude, aberto numa rua sem história no Parque das Nações. Este é o primeiro restaurante deste franchising importado diretamente da China, onde é muito popular, e que é o primeiro da cadeia a abrir na Europa. A estrela da companhia, o pato à Pequim, foi o mote do almoço, mas o preâmbulo até aqui chegarmos também não deve ser deixado de fora da história, que nos é servida por Yue Wang, filha do casal proprietário do espaço, que mora em Portugal há duas décadas.
O primeiro Quanjude, que era uma espécie de tasca, abriu em 1864 na Praça Tiananmen e focou-se na confeção do pato – uma refeição real – desde o início. Hoje, a pequenina tasca é uma cadeia renomada que serve os caterings das visitas de Estado na China e reclama ter um dos melhores patos à Pequim do mundo.
Segundo a estudante de Belas-Artes, os pais queriam dedicar-se à restauração até porque, para além do negócio, queriam comer “como em casa”: a província de Sichuan. Os desejos uniram-se e encontraram na cadeia Quanjude o parceiro ideal para o negócio.
Os pratos vão-se acumulando na mesa – bolinhos de camarão fritos, panquecas com cebolinho, vieiras… – ao ritmo da conversa e, caso fôssemos uma família chinesa num almoço domingueiro, não seria de estranhar que até as sobremesas fossem servidas em simultâneo. “Comemos tudo ao mesmo tempo”, conta Yue Wang, com uma tigela de arroz na mão, enquanto nos vai guiando pelo menu até chegarmos ao que ali nos levou: o pato.
“Demora três dias a ser preparado”, explica a nossa interlocutora. E ainda antes de chegar à fase da preparação há a fase da criação do pato propriamente dito. A gordura do bicho – não se quer um pato demasiado gordo – e o tempo de vida do animal, que deve pesar 2,5 quilos, é coordenado especificamente para este prato, explica Yue. Os patos são depenados no restaurante, as vísceras são limpas e é seco durante oito horas. Depois é lacado com mel, seco de novo, recheado de vegetais que lhe dão sabor durante outras tantas horas e, finalmente, vai ao forno – feito especificamente para este propósito. “Usamos lenha de oliveira por causa do aroma”, conta a nossa interlocutora, explicando que na China se usa, por exemplo, lenha de cerejeira ou pessegueiro.
Na mesa, o pato não vem sozinho: pode escolher entre os ossos fritos do animal com pimenta – estranhamente, muito bom – e um caldo com tofu e, claro, pato, que está quase a esvair-se entre conversas numa das mesas giratórias do restaurante. Nunca tínhamos pensado sobre isto, mas este tipo de estrutura tão usada a oriente é duplamente vantajosa, já que incentiva o convívio e até o respeito – é preciso olhar nos olhos e ver se alguém se está a servir na outra ponta para rodarmos até nós o suporte sem deixar ninguém de pauzinhos no ar. E olhar quem nos acompanha à refeição, com ou sem pato, é sempre meio caminho andado para um momento feliz.