Todos os anos, os portugueses deitam para o lixo 730 milhões de garrafas de plástico. E o consumo de água engarrafada aumentou 25% nos últimos dois anos, mesmo tendo a maioria das pessoas consciência dos danos para o ambiente causados pelo polietileno tereftalato – ou PET – com que se fazem essas garrafas. Daí que a notícia de que uma equipa de cientistas conseguiu modificar uma enzima que digere plástico seja boa para um planeta cada vez mais plastificado.
A enzima é produzida por uma bactéria natural que digere o PET e foi descoberta por acaso numa lixeira de Sakai, no Japão, há dois anos. O que uma equipa de cientistas internacional conseguiu agora foi melhorar a capacidade da enzima Ideonella sakaiensis para reciclar o plástico e transformá-lo em energia. Aquilo que na natureza tarda centenas de anos, a enzima consegue fazê-lo em dias.
“O que realmente aconteceu foi que melhorámos a enzima, algo que acabou por se tornar surpreendente”, disse o líder da equipa de cientistas, o prof. John McGeehan, da Universidade de Portsmouth, em Inglaterra, citado pelo “Guardian”. A equipa inclui também investigadores do Laboratório Nacional de Energia Renovável dos Estados Unidos (NREL na sigla em inglês).
As conclusões são promissoras e, agora, aquilo que os cientistas pretendem na próxima fase é transformar a enzima numa autêntica fábrica de reciclagem, isto é, que consiga transformar o plástico velho em plástico novo, pronto a reutilizar. “Isso quer dizer que não teríamos necessidade de extrair mais petróleo e, basicamente, diminuiríamos a quantidade de plástico no meio ambiente”, acrescentou John McGeehan.
E não é de somenos, tendo em conta que em cada minuto são vendidas no mundo um milhão de garrafas de plástico e só 14% delas são recicladas. Para precisar melhor, a cada minuto, o ser humano liberta no planeta 860 mil garrafas de plástico que só daqui a centenas de anos desaparecerão de forma natural.
O curioso é que a enzima, um “catalisador biológico” produzido por uma bactéria, evoluiu de forma natural no centro de reciclagem da cidade de Sakai para digerir o plástico (notável fenómeno de evolução acelerada, tendo em conta que o PET só existe desde 1941, de-senvolvido por dois químicos britânicos). Ao estudar a sua estrutura, os cientistas, acidentalmente, conseguiram acelerar o processo de digestão do plástico pela enzima.
“Esperávamos conseguir determinar a sua estrutura para aplicarmos a engenharia de proteínas, mas acabámos por ir mais longe e, acidentalmente, desenvolver uma enzima com desempenho melhorado para desfazer esses plásticos”, explicou à CNN Gregg Beckham, do NREL.
“Muitas vezes, o acaso joga um papel fundamental na investigação científica e esta nossa descoberta não é exceção”, disse o prof. McGeehan, desta vez citado pelo “Independent”. “Embora a melhoria seja modesta, esta descoberta não prevista sugere que existe espaço para aperfeiçoar ainda mais estas enzimas, fazendo-nos aproximar de uma solução de reciclagem para a montanha de plástico, que continua a aumentar”, acrescentou o cientista.
Com base neste desenvolvimento, os cientistas vão poder trabalhar numa fórmula para tornar mais rápido e eficiente o processo de transformação, pela enzima, de plástico em energia. Embora, para já, a Ideonella sakaiensis se limite a desfazer as embalagens de plástico em pedaços menores, a perspetiva de conseguir um novo método de reciclagem é animadora. Daí o entusiasmo com que o trabalho agora publicado no jornal “Proceedings of the National Academy of Sciences”, assinado pelo estudante de pós-doutoramento Harry Austin, foi recebido pela comunidade científica.