Em mais um jogo de gala no Campo da Mata, daqueles que fazem verdadeiramente a génese da Taça de Portugal, foi o primodivisionário a sair a sorrir. O Aves sofreu muito, mercê de um auto-golo do central brasileiro Jorge Fellipe aos 56 minutos que levou o público afeto ao Caldas à loucura – e o jogo para prolongamento. Aí, o melhor apetrechamento a nível físico imperou e a equipa da I Liga deu mesmo a volta ao marcador, vencendo por 2-1 com um bis do médio Vítor Gomes (98’ e 107’, este um golaço num remate de primeira de fora da área).
Um desfecho que não belisca em nada a caminhada do Caldas, uma equipa completamente amadora, que compete no Campeonato de Portugal (terceiro escalão) e que conseguiu chegar às meias-finais da prova-rainha do futebol português, eliminando pelo caminho os secundários Arouca e Académica e ainda o Farense, um histórico que só por questões financeiras anda arredado dos grandes palcos.
Pedroto e o milagre do xadrez Fosse qual fosse o resultado deste encontro, o finalista daqui saído seria sempre um estreante no Jamor. No caso dos avenses, as melhores campanhas reportavam-se a 1993/94, 2011/12 e 2013/14, onde chegaram aos quartos-de-final.
Este ano, o Aves fez uma campanha absolutamente irrepreensível, superando quatro eliminatórias sempre na condição de visitante. Assim eliminou Vila Real, União de Leiria, União da Madeira e Rio Ave, este naquele que terá sido provavelmente o melhor jogo desta edição da Taça de Portugal: aos 89’, os vila-condenses venciam por 3-1. O Aves acabaria por conseguir marcar dois golos antes do apito final, com mais um golo para cada lado no prolongamento. Nas grandes penalidades, os avenses seriam mais felizes, carimbando o inédito apuramento para as meias-finais.
Os comandados de José Mota – terceiro treinador da temporada, depois de Ricardo Soares e Lito Vidigal – têm agora de procurar inspiração no Boavista… de 1974/75. É verdade: esse é o exemplo mais recente de uma equipa que venceu a competição na primeira vez em que chegou à final. Então, os axadrezados, orientados por José Maria Pedroto, bateram o Benfica por 2-1, no que foi o primeiro troféu da história do clube portuense.
Daí para cá, muitos tentaram mas todos falharam no momento decisivo. Realce especial para o Chaves, que em 2009/10 já estava despromovido para a II divisão B quando foi ao Jamor enfrentar o FC Porto. Os dragões venceram, mas suaram: 2-1 foi o resultado final. Impossível esquecer também a final de 2001/02, quando o campeão Sporting enfrentou o Leixões, então na II B. O 1-0 final espelha bem as dificuldades que os leões de Laszlo Boloni sentiram para superar o conjunto muito bem orientado por Carlos Carvalhal – e que na época seguinte se tornou a primeira equipa do terceiro escalão de Portugal a jogar na Europa (Taça UEFA).
Menção também para o enorme feito do Beira-Mar em 98/99: os aveirenses desceram de divisão, mas bateram o estreante Campomaiorense no Jamor (1-0), numa das finais mais atípicas de que há memória. Nove anos antes, Estrela da Amadora e Farense marcaram igualmente presença pela primeira (e única) vez no jogo decisivo da Taça, sendo que os algarvios estavam mesmo na segunda divisão. A final acabou empatada a uma bola, sendo necessário recorrer a uma finalíssima para se apurar o campeão; aí, os primodivisionários foram superiores, venceram por 2-0 e conquistaram o troféu.
Dois casos semelhantes aos do Farense aconteceram em 43/44, com o Estoril, e no ano anterior com o Vitória de Setúbal: em ambas as situações, os clubes estavam na segunda divisão e conseguiram chegar à final. Curiosamente, ambos acabariam goleados pelo Benfica: os canarinhos por 8-0, os sadinos por 5-1.
Outro dado importante: o Aves realizou a pré-inscrição nas competições europeias no devido tempo. Isso significa que, em caso de vitória no Jamor, os avenses seguirão para a fase de grupos da Liga Europa. Se forem derrotados, o sonho europeu tem de ser adiado – será o quinto classificado do campeonato a receber o bilhete.
a surpresa francesa Uma final entre um “grande” e um estreante é atípica, em Portugal ou noutro país qualquer. De vez em quando, porém, acontece mesmo. Esta época, por exemplo, as finais em Espanha, Itália, Alemanha e Inglaterra serão “banais” – Sevilha-Barcelona, Juventus-AC Milan e Bayern Munique-Eintracht Frankfurt (em Inglaterra ainda falta disputar as meias-finais) –, mas o mesmo não se passará em França, onde um verdadeiro cometa apareceu no encontro decisivo nesta edição.
Trata-se do Les Herbiers, um clube com 100 anos de história mas que só há dois anos subiu pela primeira vez à terceira divisão e que esta terça-feira conseguiu o apuramento para a final da Taça, curiosamente batendo uma equipa também do terceiro escalão: o Chambly (2-0). Na caminhada, o Les Herbiers, 15.º no campeonato, bateu equipas amadoras nas primeiras quatro eliminatórias, superiorizando-se depois a dois conjuntos com história e hoje a militar na Ligue 2: o Auxerre, a quem venceu por 3-0, e o Lens, que bateu nos penáltis após um 0-0 no tempo regulamentar.
Na final, a realizar-se no imponente Stade de France, o Les Herbiers irá defrontar nada menos que o PSG. Para se ter uma noção da diferença de realidades, os parisienses têm um orçamento de mais de 520 milhões de euros; o seu adversário… de 1,5 milhões. Abismal.