Estão preenchidas todas as condições para que se produza uma mudança de regime. A sensação de fracasso é generalizada e a improdutividade do sistema é terrível», escrevia recentemente Carlos Alberto Montaner no site 14ymedio, criado por uma das mais conhecidas vozes críticas do regime, Yoani Sánchez. «O que pretende Raúl Castro com esta não-mudança?», perguntava o escritor cubano exilado em Miami, para responder: «Pretende viabilizar a inevitável chegada ao poder de uma nova geração, nascida depois do triunfo da revolução».
Miguel Díaz-Canel não representa uma revolução na revolução, aliás, o que insistiu em ser no seu primeiro discurso foi um elo de «continuidade» na mesma – «o mandato dado pelo povo a esta legislatura é o de dar continuidade à revolução cubana num momento histórico crucial». Até porque Raúl Castro continuará a exercer o poder na sombra, como líder do Partido Comunista até 2021.
Ainda Raúl Castro
Díaz-Canel não se esqueceu de se referir a isso, na quinta-feira, perante os mais de 600 deputados da Assembleia Nacional Popular: «Raúl Castro, como primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, encabeçará as decisões de maior transcendência para o presente e o futuro da nação».
O Diário de Cuba titulava ontem que o regime «encena» uma sucessão que está longe de realmente ter acontecido, apesar de haver agora na cadeira do poder em Cuba um homem que não se chama Castro, algo que não acontecia desde 1959. Mas será esse pormenor tão significativo quando se ouve Díaz-Canel dizer: «Aqui não há espaço para uma transição que desconheça ou destrua a obra da revolução».
No entanto, existe em Cuba quem veja na situação uma oportunidade para realmente fazer acontecer uma mudança: «Há uma transição no poder que temos que aproveitar para que se converta numa transição política para a democracia», afirma o opositor Manuel Cuesta Morúa, citado pelo site Cibercuba.
Opinião partilhada por Livia Gálvez Chiú, do Centro de Estudos Convivencia, um think tank independente fundado em Pinal del Río. «A nossa oportunidade está ao virar da esquina. Cuba pode salvar-se se conseguirmos a combinação perfeita entre governo e cidadãos, que não exige mais que o respeito de ambos pela função que cada um tem na sociedade e o trabalho conjunto pelo bem de todos».
O centro Convivencia refere que a mudança em Cuba não está subordinada a uma pessoa, dependendo sempre da existência de «circunstâncias tais que favoreçam ou pressionam a mudança» e essas parecem existir tendo em conta a situação económica difícil do país. Agravada pelas mudanças políticas no Brasil, Equador, Chile, Paraguai e Uruguai e, sobretudo, pela crise que vive a Venezuela e que afundou a relação comercial entre os dois países e deixou Havana sem o seu principal fornecedor de petróleo desde a chegada de Hugo Chávez ao poder em Caracas.
«Pensávamos que a esta altura já teríamos avançado mais, que já teríamos, se não resolvido os problemas, pelo menos tudo bem organizado, bem planificado e em processo de execução com diferentes graus de desenvolvimento», reconheceu Raúl Castro no final da sessão parlamentar que elegeu o seu sucessor.
‘Havana, ano zero’
Reinaldo Escobar, no 14ymedio, refere que Raúl conseguiu paulatinamente durante uma década no poder «eliminar alguns rasgos distintivos da forma de governar do seu irmão [Fidel Castro], ou, dito de outra forma, dissolveu o fidelismo», porém, ficou por desbravar um terreno onde não quis mexer nem com uma vara, o das liberdades políticas. «Embora durante a sua gestão se tenha implementado uma moratória à execução da pena de morte e não se tenha aplicado a Lei 88 [sobre o comércio com os Estados Unidos], o mandatário alargou as detenções arbitrárias, as rusgas e a confiscação de bens contra ativistas e dissidentes».
Seja como for, e tal como escreve Yoani Sánchez, no seu blogue Generación Y, num artigo intitulado Havana, ano zero, «seja continuísta ou reformista» a chegada ao poder de Miguel Díaz-Canel, que não passou pela Sierra Maestra e já nasceu na Cuba da revolução, «marca um feito histórico: o fim da era Castro nesta ilha».
Mas o mais estranho – perante tamanha mudança de nomenclatura numa ilha onde a média de idade é de 41,2 anos e, como tal, a maioria da população (mais de 70%) nasceu, cresceu e viveu com algum Castro conduzindo os seus destinos – é que haja tanta indiferença pela página da História que se virou esta semana.
Há pelo menos três razões para essa indiferença, explica Yoani Sánchez, e a primeira delas é a difícil situação económica que obriga «a um ciclo diário de sobrevivência» que relega o pensamento sobre o futuro para segundo plano enquanto se buscam formas de conseguir comida para pôr na mesa. Depois, está o pessimismo reinante de que nada vai mudar, tratando-se apenas cosmética num rosto que continuará exatamente igual. E, finalmente, a ausência de «referências para imaginar que há vida para lá da chamada geração histórica», aquela que derrotou a ditadura de Fulgencio Batista e instalou um novo regime em Cuba em 1959.
«Brother, é tudo o mesmo, isto não muda. Eles sabem que qualquer movimento pode fazer desmoronar o regime», explica Mandy, um jovem de 21 anos, em conversa com o repórter do 14ymedio, na sua versão em PDF. «Aqui o mais urgente a resolver é o tema do salário que não dá para nada, a minha reforma gasto-a em menos de uma semana e o que posso comprar é muito pouco», refere Acela, uma reformada de 68 anos, citada na referida reportagem.
Trump atrasa
Nem mesmo a situação internacional parece capaz de fomentar uma mudança gradual do regime. Depois do marco histórico que foi o reatar de relações com os Estados Unidos, promovida por Barack Obama, o relacionamento entre os dois países voltou a esfriar com a chegada de Donald Trump à Casa Branca.
Jon Lee Anderson, provavelmente o jornalista norte-americano que mais entende de Cuba, refere, citado pelo Denver Post, que o comportamento de Trump em relação a Cuba é bem capaz de vir a provocar uma reação contrária à mudança na ilha, levando a que «os cubanos, com ou sem um Castro, façam o que têm feito nos últimos 59 anos: mostrar o seu orgulho teimoso e, se for preciso, forjar alianças táticas com alguns dos adversários geoestratégicos dos Estados Unidos que estejam dispostos a protegê-los».