Mal ouvimos falar de piolhos levamos os dedos à cabeça para aliviar uma comichão súbita.
Já quando a corte portuguesa se mudou para o Brasil as senhoras chegaram de cabeça rapada e turbante por causa desses minúsculos mostrengos e passados mais de dois séculos ainda não nos conseguimos livrar deles. Muito pelo contrário, os piolhos já não têm hora de chegada e habitam a cabeça dos mais pequenos – e também dos mais graúdos – faça chuva ou faça sol. Nas escolas há avisos de crianças vitimadas pela pomposa ‘pediculose’ o ano inteiro.
É uma infestação descontrolada para a qual não há vacina nem exterminação rápida possível.
Por que razão proliferam vertiginosamente é um mistério. Há quem diga que ganharam habituação aos champôs. Cá para mim tem a ver com o facto de haver mais cabecinhas em alegre convivência nas escolas cheias de crianças desde os poucos meses de vida, com os pais terem também as suas cabeças mais embrenhadas nas dos filhos e com o esmorecimento do hábito pré-histórico de andar à cata de parasitas.
Quando estes seres chegaram a nossa casa pela primeira vez os produtos para a eliminação de piolhos estavam esgotados; agora, passados poucos anos, encontro-os em abundância e enorme variedade não só em farmácias mas também em supermercados.
Temos ao nosso dispor champôs tóxicos e naturais que facilitam a remoção dos parasitas com a ajuda de um pente de dentes fininhos e uma boa dose de paciência; pentes elétricos e loções que supostamente dizimam tudo; clínicas especializadas que em troca de quase uma centena de euros e algumas horas de tédio garantem a desinfestação total. Há quem ponha vinagre, quem queime o couro cabeludo com o secador, quem use perfume, óleos ou produtos especiais como repelente. No final do tratamento da família inteira – seja ele qual for – deve lavar-se tudo o que esteve em contacto com os ditos a temperaturas diabólicas ou fechar em quarentena num saco preto. Roupas da cama, toalhas, cadeiras do carro e de casa, bonecos, sofás, chapéus, laços, pentes, tudo para a desinfestação. Passadas horas de luta, pais desesperados e crianças impacientes, mesmo que se consiga remover todos os piolhos e descendentes – o que é quase uma utopia – um belo dia a criança volta à escola, abraça os amigos e em alguns segundos voltamos à estaca zero.
Além de nos levarem à ruína, estas pequenas criaturas roubam-nos dias de vida. Podíamos estar a brincar, a ler, a fazer um piquenique, mas não, estamos em casa de olhos em bico a tirar piolhos.
Tenho para mim que a única forma de os exterminar é à antiga e, com uma paciência de Jó, expulsá-los um a um. Ou então desalojá-los rapando o cabelo por completo. Uma farmacêutica disse-me que o filho só se livrou da praga quando deu um salto no crescimento e ficou mais alto que os amigos… Mas só alguns têm essa sorte.
A convivência que se tornou diária e natural com esta praga veio mostrar que não há ligação com a higiene. Os piolhos adoram que lhes deem banho, que os penteiem e que no final os sequem com o secador ou com a toalha. As lêndeas então são como as baratas. Fechadas naquela imbatível carapaça hão de resistir ao fim do mundo. O facto de a infestação ser tão democrática tem pelo menos a vantagem de já não haver meninos a sentirem-se envergonhados.
Quanto aos que conseguem passar entre os pingos da chuva, devem sentir-se um pouco sós.