O percurso dos Arcade Fire por palcos nacionais está entre o céu e o inferno. Quando se estrearam em Paredes de Coura no longínquo ano de 2005, deram um concerto para toda a gente se lembrar daí a muitos anos. E a prova é que 2018 ainda não esqueceu essa prova de vida celebrada sobre as cinzas “Funeral”, um dos álbuns do século. Em 2010, ainda numa Lisboa pré-turistificada, a cimeira da NATO impediu-os de agitar as paredes do Pavilhão Atlântico, apesar dos protestos públicos do promotor Álvaro Covões. Em 2014, nova onda de reclamações mas desta vez pelo sítio. A banda alternativa mais popular do momento – um contrasenso, claro – ia ao Primavera Sound catalão mas a escala nacional era no Rock In Rio. Heresia!
A comunidade reagiu mas não em batalhão como poderia parecer num festival de dimensões menores. Alheios a tudo, os canadianos soaram a uma ilha no parque temático do rock. Voltariam em 2016 a Lisboa mas ao NOS Alive para um concerto de aquecimento para “Everything Now”, ainda sem novas canções para destapar, mas com confetti duvidosos e um alinhamento para matar a fome. E hoje à noite, voam para o centro da arena de um Campo Pequeno esgotado há meses, apesar da desconfiança gerada por “Everything Now”.
Sobre isso, o gigante Win Butler ri-se. “Espero que seja o nosso pior álbum”, comentou. “Porque, se o for, somos possivelmente a melhor banda de sempre. Acho graça [às críticas]. Se esta for a pior coisa que poderíamos fazer, estou descansado”, declarou ao “Guardian” sobre o entusiasmo moderado de crítica e público sobre o álbum.
Em “Reflektor”, James Murphy (LCD Soundsytem) perguntava aos Arcade Fire: “acham que sabem dançar?”. E a profanação do rock tradicional do anterior “Suburbs” foi pacífica e reconhecida como um dos casos pop mais bem sucedidos de reinvenção – como “Achtung Baby” dos U2, “OK Computer”, dos Radiohead, e “808s and Heartbreaks”, de Kanye West.
Até ao verão passado, o culto superara todas as provas de fidelidade. “Everything Now” esfriou a relação. Nos EUA, arenas habitualmente esgotadas para os receber caíram para metade. Entre quatro a cinco mil pessoas em cidades como Tampa, Austin e Dallas (e o Quebec, no Canadá) em salas com capacidade entre a dezena e a vintena de milhar. Em Vancouver, Win Butler não fugiu da questão, dirigindo-se a um auditório de cerca de 15 mil pessoas: “temos tocado em cidades três vezes maiores com metade das pessoas”, assumiu.
Nada como o humor para solucionar problemas. A “era dourada da [da revista satírica] National Lampoon”, inspirou “Everything Now”. Canções como “Put Your Money On Me” ou “Infinite Content” não o escondem no seu minimalismo lírico, quase como um tweet. Os textos literatos de episódios anteriores deram lugar a uma lírica mais direta e adequada à era do streaming. Nada de novo para uns Arcade Fire que há muito abandonaram circuitos exclusivos e passaram a viver na alta esfera da pop. Win Butler foi um dos “padrinhos” do Tidal, de Jay Z – embora um ano depois se tenha afastado do serviço por considerar o arranque da plataforma “mal gerido”.
Quando forem recebidos em aguardada apoteose, todas as dúvidas, dilemas e questões se diluirão em poeira cósmica e o rock’n’roll falará mais alto. Os “oooooooooohhhhhhhhhsssss” de “No Cars Go” e “Rebellion (Lies)” serão reavivados. “Everything Now” dará o tiro da partida, em modo disco sound e “Wake Up” servirá em doses cavalares as legendas de Instastories com o adjetivo “épico”.
“Em noites anteriores, surpresas não faltaram. Uma homenagem à recém-partida Dolores O’Riordan (dos Cranberries), na recuperação do clássico “Linger”, uma versão de “Don’t Get Me Wrong” dos Pretenders; “Dog Days Are Over”, de Florence + The Machine e “Karma Chameleon”, dos Culture Club, em Londres, com a participação dos próprios: Florence e Boy George. Terão os Arcade Fire um coração tão vasto quanto o dos Metallica? Talvez seja pedir demais. Se não conseguiu bilhetes para hoje, nem tudo está perdido. A 18 de agosto, voltarão ao primeiro lugar onde foram felizes em Portugal: Paredes de Coura, o sítio onde a música apaga todos os fogos.