Ter soldadinhos de chumbo, piões de madeira e carrinhos em miniatura espalhados no chão do quarto. Montar pistas de comboios a vapor, dar corda às caixas de música e brincar com jogos de tabuleiro… Tudo isto parece já ter passado de moda, no entanto, a tradição da simples brincadeira de rua ou a ânsia de completar todas as cadernetas de cromos ainda não morreu. Os colecionadores de brinquedos mantêm a chama acesa e a paixão por este universo permitiu, no passado sábado, pintar a sala Veneza do Hotel de Roma, em Lisboa, de sorrisos e vários brinquedos antigos, que reavivam a memória e transportam automaticamente para o passado.
Salão do brinquedo de Lisboa São 15h, está um sábado cinzento e chuvoso, mas nem a chuva demove os mais curiosos e apaixonados por este mundo de irem até à sala Veneza no Hotel Roma para visitarem a feira de brinquedos antigos.
À entrada estão duas bancas, cheias de carrinhos em miniatura, cadernetas, soldadinhos de chumbo, bonecas, livros e muitos outros objetos que lembram a infância. Na outra sala, que está lotada e onde o calor é notório, há muito mais bancas cheias de cores, formatos e feitios. Nem os brinquedos mais escondidos escapam aos olhares mais atentos dos colecionadores, que andam de papel na mão, um auxiliar das marcas e modelos que lhes faltam para completar as suas coleções e encher as prateleiras vazias.
O Salão do Brinquedo em Lisboa nasceu da cabeça de quatro amigos – César Lopes, Ricardo Leite, José Encarnação e Paulo Rodrigues. Tiveram a ideia depois de irem até à feira do Porto várias vezes. “Gostávamos de ir à feira do Porto, que é uma feira bastante boa, e ficámos naquela de que se havia de organizar uma coisa parecida em Lisboa”, começa por explicar César Lopes ao i. Depois de muito falarem, arregaçaram mangas e há cerca de cinco anos que organizam o certame na capital, quatro a cinco vezes por ano.
“Ficámos surpreendidos quando foi a primeira vez”, conta César. A sala ficou mesmo cheia e chegaram a ter medo de haver algum problema. Felizmente, tudo correu bem. Para além de organizar o salão, César Lopes, de 46 anos, também tem uma loja de brinquedos e é colecionador. O bichinho começou quando estava à procura de uma peça para um relógio, na internet, e encontrou à venda uma nave de Luke Skywalker, da saga Star Wars. “Em miúdo adorava aquele brinquedo e nunca tive”, lembra. Comprou e depois vieram cada vez mais artigos, para acompanhar a nave e não só. “Passados 16 anos tenho uma loja dedicada a isto”, resume.
Tal como César Lopes, também Ricardo Leite é um apaixonado por brinquedos. Tem 52 anos e, além de fazer parte da organização do salão, é colecionador e tem um atelier onde produz soldadinhos de chumbo portugueses. “Isto para mim já vem de infância. Costumo dizer por piada que para colecionar brinquedos não há um curso que se possa tirar, a não ser a prática e a minha começou na minha infância, com os soldadinhos”, conta.
Ricardo também restaura brinquedos e colabora com museus. Para além disso, ajuda os mais curiosos a procurar informação, através da biblioteca que tem, junto do Campo Pequeno, em Lisboa.
É procurado por colecionadores que querem esclarecer dúvidas e pelos mais curiosos que querem entrar para o colecionismo, mas que não sabem por onde começar.
Os brinquedos mais procurados e os mais valiosos Os carrinhos em miniatura lideram o pódio dos brinquedos mais procurados e não é novidade nenhuma que estas antiguidades podem ser bem valiosas e caras. Como a maior parte dos colecionadores em Portugal são homens, isso faz com que o brinquedo eleito como predileto seja o carro, explica César Lopes.
Na feira do último sábado, as peças mais valiosas não deviam chegar aos mil euros, mas o organizador já fez vendas, na sua loja, avaliadas em “dezenas de milhares”. “As coisas mais valiosas de todas são os brinquedos de lata antigos. Os artigos da pré-guerra ou logo a seguir à guerra são outra franja que vale muito dinheiro. Depois há coisas um bocadinho mais antigas, do início de 1900, que se estiverem em muito bom estado têm sempre muito valor, só porque são muito antigas”, explica César Lopes.
Há ainda outros detalhes neste mundo encantado dos brinquedos. Muitos dos colecionadores preferem comprar os brinquedos no seu estado original, mesmo que estejam partidos, a mandar restaurar – só o simples facto de alterar a pintura vai mudar a essência e originalidade do objeto. No entanto, a doutrina divide-se: “Às vezes o brinquedo está todo partido e há pessoas que preferem ter estragado, mas no estado original. Há outras que, mesmo que não esteja muito mau, mandam recuperar”, diz César Lopes, que pessoalmente só compra coisas em bom estado e não manda restaurar.
Paixão corre na família No meio das bancas está Frederico da Cunha, que também gosta de colecionar os objetos no seu estado original. É também vendedor e a sua mesa inclui soldadinhos de chumbo, uma caixa antiga do jogo Monopólio e alguns bonecos.
Tem 54 anos e desde novo sempre foi fascinado por brinquedos, mas começou a colecionar porque havia essa tradição na família. “Tinha avós colecionadores na família e passaram-me o bichinho”, conta. Agora, espera que o essa paixão passe para a sua filha que já lhe disse que irá criar uma fundação com as suas coleções.
Mundo dos brinquedos está a passar de moda? A era tecnológica está a revolucionar a forma de brincar dos mais novos. Para quem está no ramo, mais tarde ou mais cedo isso significará interesses novos no colecionismo. “Os colecionáveis, no geral, do futuro vão ser outras coisas completamente diferentes”, sublinha César Lopes, que acredita que as consolas e videojogos vão substituir os carrinhos em miniatura. “A maior parte das crianças, agora, brinca online e a evolução leva a que brinquem mais individualmente”.
Mas apesar das mudanças, César admite que os brinquedos antigos estão mais do que nunca na moda, porque há um fanatismo “muito grande”. E os preços têm aumentado. “Para alguns dos brinquedos que eu comecei a colecionar há 16 anos, nomeadamente as figuras de ação de Star Wars, o valor já deve ter aumentado umas dez vezes.” O facto de alguns brinquedos terem deixado entretando de serem fabricados inflaciona ainda mais os preços.
Ricardo Leite diz, que além da paixão partilhada naquela sala, o evento tem com objetivo sensibilizar as pessoas em geral que, não sendo colecionadoras, “podem ter coisas destas guardadas em casa, que muitas vezes deitam para o lixo, coisas que têm valor”. Nas mãos certas, podem ser recicladas. E essa é uma das ideias do evento: reciclar os brinquedos.