Toronto. A revolução dos celibatários involuntários

Alek Minassian, o autor do ataque de Toronto, que fez dez mortos, elogiou numa mensagem de Facebook Elliot Rodger, jovem virgem de 22 anos que matou seis pessoas na Califórnia porque as mulheres o rejeitavam

Alek Minassian foi ontem acusado de dez crimes de homicídio e 13 de tentativa de homicídio por um tribunal do norte de Toronto. O condutor da carrinha branca alugada que na segunda-feira deliberadamente atropelou pessoas numa artéria movimentada de Toronto compareceu em silêncio perante o juiz.

As autoridades quase descartavam ontem qualquer ligação terrorista e um último post deixado por Minassian no Facebook – e que o jornal “Globe & Mail” confirmou junto da empresa ter sido, ao que tudo indica, escrito pelo próprio – levanta o véu a uma possibilidade de explicação para o ato. Outros meios como o Buzzfeed News e a CBC confirmaram a sua origem.

No post, Alek Minassian elogiava Elliot Rodger, um jovem universitário de 22 anos que matou seis pessoas e depois se suicidou, na Califórnia, em 2014. E falava em “incel”, palavra composta pela aglutinação das sílabas iniciais em inglês de celibato involuntário, e numa “rebelião”.

É costume que depois de uma tragédia surjam muitas páginas falsas nas redes sociais procurando atenção e inventando teorias; no entanto, responsáveis da rede social dizem que aparentemente não se trata de uma mensagem falsa, mas real.

A mensagem, em tons militares, fala de uma revolução em curso e louva Rodger: “O soldado Minassian Infantaria 00010, desejando falar com o Sgt. 4Chan por favor. C23249161. A Rebelião Incel já começou! Iremos derrubar os Chads e as Stacys! Todos saúdam o Cavalheiro Supremo Elliot Rodger!” – sendo “Stacys” e “Chads” equivalentes a adolescentes populares. 

Tal como Minassian, também Rodger tinha dificuldades em relacionar-se socialmente e parecia incapaz de ter uma namorada. Antes de esfaquear os três companheiros de quarto na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, e de matar a tiro três outras pessoas e ferir mais 13, a 23 de maio de 2014, escreveu um manifesto de 137 páginas chamado “My Twisted World: The Story of Elliot Rodger”, ainda hoje disponível na internet.

Trata-se de um testemunho tortuoso de alguém que reclamava pela atenção que não conseguia ter e se ia encerrando cada vez mais na sua concha de ódio pelo mundo: “Tudo o que eu quis na vida foi amar uma mulher e ser retribuído nesse amor. O comportamento delas em relação a mim só conseguiu ganhar o meu ódio, e muito justamente. A humanidade atacou–me primeiro, ao condenar-me à experiência de tanto sofrimento. Eu não pedi isto. Eu não quis isto. Eu não comecei esta guerra… Não fui eu a dar o primeiro golpe… Mas vou acabar por ripostar. Punirei toda a gente. E será lindo. Finalmente, depois de muito tempo, posso mostrar ao mundo aquilo que realmente valho.”
Além do manifesto, que ainda hoje pode ser facilmente consultado na internet, deixou um vídeo, o seu último vídeo, onde, com o sol da Califórnia a amarelecer-lhe o rosto e num tom muito calmo, fala do “dia da retribuição”, da vingança pela rejeição que sofreu desde a puberdade. “Fui forçado a suportar uma vida de solidão, rejeição e desejos insatisfeitos, tudo porque as raparigas nunca se sentiram atraídas por mim”, confessa Rodger num vídeo que tem quase um milhão de visualizações. “Tenho 22 anos e ainda sou virgem”, explicava.

Ainda é cedo para garantir que dois e dois são mesmo quatro nesta história, mas o perfil do autor do massacre de Isla Vista em 2014 e o perfil do jovem de Richmond – que provavelmente passará a ser conhecido como o autor do massacre de Toronto – deixam antever afinidades de desajustamento social que culminam no ódio ao mundo, onde não se conseguem encaixar.

Alek Minassian, que tentou debalde ser morto pela polícia fingindo que o seu telemóvel era uma pistola, compareceu ontem no tribunal com a cabeça rapada e mais não fez do que dizer o seu nome e responder “sim” quando lhe perguntaram se entendia os procedimentos. O pai saiu do tribunal com uma tristeza tal que até o seu andar parecia soluçar – não disse uma palavra que fosse, apenas se limitou a seguir os polícias que abriam caminho por entre jornalistas ávidos de uma qualquer explicação.

A hipótese de terrorismo parece secundarizada pela polícia que, no entanto, não quer avançar para uma explicação tão cedo nas investigações. No ano passado, Minassian passou dois meses no exército canadiano (CAF), mas “não completou o treino de recruta e solicitou a sua saída voluntária das CAF depois de 16 dias de treino de recruta”, disse ao “National Post” a porta-voz do Departamento de Defesa, Jessica Lamirande.