A vertiginosa queda de uma das principais bússolas morais da paternalidade norte-americana e negritude foi esta quinta-feira confirmada em tribunal: Bill Cosby foi condenado por três crimes de ataque sexual agravado contra Andrea Constand, apenas uma de entre as dezenas de mulheres que nos últimos anos acusaram Cosby de as ter drogado e violado ao longo das décadas de fama consensual. Ainda não há pena nem data para que seja anunciada. Cada um dos crimes – penetração sem consentimento, penetração a uma pessoa inconsciente e penetração depois de administrado tóxico – pode resultar em dez anos de prisão, embora também possam ser cumpridos em simultâneo. Cosby pagou um milhão de dólares de fiança.
A sentença nasce darepetição do julgamento ao mesmo caso realizado em 2017. Nesse ano, os 12 jurados mostram-se indecisos: metade considerou-o culpado e a outra metade inocente. No ano que decorreu entre a primeira sentença e a condenação desta quinta-feira eclodiu o grande movimento global de combate à impunidade sexual de homens poderosos: “#MeToo”. Os advogados do humorista que ao longo de quase uma década foi a figura paternal da América no seu “The Cosby Show” argumentaram que o veredicto do novo julgamento seria injustamente influenciado pelo clima de reivindicação e que isso prejudicaria Cosby. “Julgamento por motim não é o Estado de Direito”, afirmou Kathleen Bliss, uma das advogadas.
Para as dezenas de mulheres que acusam Cosby de violação, a sentença desta quinta tem características redentoras. A maioria dos casos não foi julgada por ter ultrapassado o prazo de prescrição. Mesmo o processo de Constand, vilificada por parte do país, chegou aos tribunais a apenas dias de prescrever e já depois de o humorista ter negociado um acordo no valor de 3,38 milhões de dólares. “Posso enfim largar o meu escudo e espada por um momento”, afirmou Patricia Steuer, de 61 anos, que acusa Cosby de a ter atacado em 1978, quando tinha 22 anos, e uma segunda vez, em 1980. “Estou um pouco cansada e sinto-me machucada, mas, neste momento, estou em ebulição.”
O caso de Cosby e Constand era o barómetro da justiça sexual nos Estados Unidos antes do caso Harvey Weinstein. A defesa do humorista anunciou que vai recorrer da sentença e defendeu ao longo do julgamento que Constand teve relações sexuais com Cosby e que fabricou a acusação em busca de um acordo milionário como o que obteve em 2005.O juiz permitiu neste julgamento o testemunho de cinco alegadas vítimas de Cosby, quando no anterior havia permitido apenas o de uma. Constand não prestou declarações esta quinta-feira e Cosby apenas lançou um insulto à acusação quando esta defendeu a prisão imediata por risco de fuga, considerando que o humorista tem um avião privado. “Não, não tem, seu imbecil”, lançou em tribunal.