Muito do sentido de identidade e das crenças de um povo está envolto em sinais e símbolos – e os nomes das ruas das cidades não são exceção. Mais de 40 anos depois da queda da ditadura de Francisco Franco, a Câmara de Madrid decidiu, em maio do ano passado, utilizando a Lei da Memória Histórica de 2007, retirar de 52 ruas as placas com nomes de personalidades ligadas ao regime franquista, mas encontrou, subitamente, a oposição de uma empresa e de familiares dos outrora homenageados, que submeteram providências cautelares nos tribunais administrativos.
No início, a oposição focou-se na mudança de duas ruas com os nomes Hermanos García Noblejas, em homenagem a cinco irmãos falangistas que combateram na guerra civil ao lado de Franco, e Asensio Cabanillas, general que liderou forças militares franquistas naquele conflito e que desempenhou um papel destacado nos anos da ditadura. Mais tarde, a Fundação Francisco Franco, cujo objetivo fundacional é manter viva a memória do ditador, submeteu uma providência cautelar para travar todo o processo de substituição de nomes das 52 ruas. A vontade do executivo de Madrid ficou em suspenso desde essa altura. No entanto, a Câmara de Contencioso Administrativo do Superior Tribunal de Justiça recusou esta semana o pedido de suspensão temporária interposta pelos familiares dos irmãos García Noblejas e pela empresa Astribe SL, com sede na Rua Asensio Cabanillas. Os primeiros sustentaram a providência cautelar com razões morais, argumentando que danificaria o legado dos cinco irmãos, enquanto a empresa defendeu que a mudança de nome teria um custo de três mil euros na mudança de “cartões-de-visita, envelopes e papel timbrado”.
Agora, o tribunal superior terá de deliberar sobre a providência cautelar interposta pela Fundação Francisco Franco, mas os responsáveis de Madrid olham para estas duas primeiras decisões com “otimismo”. “Para nós é uma boa notícia e que nos permite encarar o futuro com otimismo, mas também com prudência, pois foram apenas dois casos e ainda há mais por chegar, mas é bom que o Supremo Tribunal coloque as iniciativas de alguns nostálgicos do franquismo nos seus lugares”, disse fonte oficial ao jornal espanhol “Público”.
“Anjo Vermelho”
Traidor para alguns, temível inimigo para outros, Melchor Rodríguez, líder anarquista da Confederação Nacional do Trabalho (CNT), conhecido por “Anjo Vermelho”, foi, 80 anos depois, homenageado com uma rua na capital espanhola com o seu nome. As suas ações durante a Guerra Civil Espanhola sempre estiveram envoltas em polémica, tanto por ter ajudado nacionalistas a escapar de morte certa aquando do golpe de Estado falhado de Franco como por ter entregue as chaves de Madrid e não ter cumprido a pena de 25 anos a que a ditadura o condenou após o conflito.
Poucos meses tinham passado desde a tentativa falhada de golpe de Estado do general Franco quando Rodríguez foi nomeado diretor das instituições penitenciárias. Vivia-se o medo da “quinta coluna franquista” e as retaliações contra possíveis espiões não se faziam esperar. Rodríguez escondeu vários nacionalistas, entre os quais o general Muñoz, que viria a ser o comandante da Divisão Azul espanhola, que combateu ao lado nos nazis na ii Guerra Mundial, e ordenou o fim do que considerava serem execuções indiscriminadas, entrando em choque direto com Santiago Carrillo, então diretor de Segurança da República e dirigente comunista. Foi então exonerado pelo ministro da Justiça, Manuel García Oliver, também anarquista. A normalidade das execuções voltou.
Em 1939, quando a República dava os seus últimos sopros de vida, Rodríguez juntou-se a militares republicanos para fazerem um golpe de Estado com o objetivo de entregarem Madrid aos franquistas. O anarquista queria terminar a guerra com uma rendição negociada, porventura para evitar massacres desnecessários. Ao entregar as chaves da capital foi imediatamente preso e condenado à morte pelos franquistas. Aí, o general Muñoz intercedeu, com mil assinaturas de nacionalistas, para lhe salvar a vida. Franco perdoou-lhe, mas também o condenou a uma pena de prisão de 25 anos. No entanto, e passados cinco anos de pena, foi libertado e passou a trabalhar numas piscinas, continuando a ser um visitante assíduo das prisões franquistas pela sua militância anarquista no pós-guerra. Morreu em 1972 e, para espanto de todos, foi enterrado com uma bandeira da CNT e o hino anarquista foi ouvido em silêncio, tanto pela polícia como por ex-ministros de Franco. Há mais de um ano que tem uma rua com o seu nome.