A Hangzhou Zhongheng Electric é uma empresa do futuro. Os seus funcionários usam toucas especiais que estão ligadas a um computador que mede as suas ondas cerebrais. Os dados recolhidos ajudam as chefias a gerir e redefinir as cargas de trabalho de cada empregado de modo a reduzir o stresse e, com isso, aumentar a eficiência. Esta empresa chinesa não é uma exceção, nem sequer um vislumbre do futuro, mas um presente cada vez mais comum. A inteligência artificial está a tomar conta das empresas e o uso de algoritmos para detetar picos emocionais como depressão, ansiedade e raiva está a tornar-se mais comum.
Garante o “South China Morning Post” que, na China, este tipo de tecnologia já se generalizou e é comum em fábricas, transportes públicos, empresas estatais e militares, tudo a bem da produtividade. A State Grid Zhejiang Electric Power, onde este sistema é aplicado desde 2014, aumentou os lucros em dois mil milhões de yuans, qualquer coisa como 260,2 milhões de euros.
Com o desenvolvimento tecnológico a grande velocidade, os avanços em matéria de inteligência artificial estão a mudar a forma como o trabalho se organiza. À medida que as empresas vão descobrindo mais formas de otimizar a produção, o trabalho evolui, em muitos casos exigindo uma contínua reciclagem dos trabalhadores, noutros tornando-os completamente supérfluos. Os vínculos laborais entre empresas e funcionários tendem a tornar-se mais precários. A perspetiva muda: em vez da estabilidade de quem trabalha, impõe-se a flexibilidade das encomendas – ao invés de uma força de trabalho permanente, trabalhadores freelance, contratados temporariamente para dar resposta a picos de produção.
Ainda não estamos perante visões distópicas de máquinas a tomarem conta do mundo, mas essas ameaças sentem–se cada vez mais em todo o lado. Onde é possível que uma máquina cumpra uma função em vez de um ser humano, as empresas vão preferindo as máquinas. Aos seres humanos, por outro lado, é pedida maior eficiência, produtividade, que sejam mais máquina.
Vigilância dos funcionários, diminuição de postos de trabalho devido à automatização, precariedade laboral e recurso cada vez maior a mão-de-obra externa ou freelance, estruturas menos hierárquicas e mais horizontais: tudo isto são mudanças que já chegaram e tenderão a aprofundar-se no futuro.
Um estudo do McKinsey Global Institute identificou cerca de 400 tarefas executadas por humanos que podem ser entregues a robôs proximamente, incluindo manutenção preventiva de maquinaria, análises de vendas e planeamento de transportes, para dar só três exemplos.
Por outro lado, o aumento da esperança de vida e os problemas de financiamento da segurança social no mundo ocidental, devido à baixa natalidade, vão contribuir para alterar a idade de reforma dos trabalhadores. A idade da reforma vai começar a ser progressivamente atrasada e isso alterará também o modo de funcionamento das empresas.
Escreve Emma Parry, professora de Gestão de Recursos Humanos na Cranfield University, “que o envelhecimento da força de trabalho e o prolongamento da vida laboral levar-nos-á a um maior perigo e polarização entre grupos de funcionários com atitudes diferentes em relação às práticas de trabalho, à extensão do uso das tecnologias às formas de comunicação e à cultura do trabalho”.
Ao mesmo tempo, esta é a geração mais bem preparada para enfrentar este mercado de trabalho instável, até porque sai das universidades com o total conhecimento de que os vínculos laborais sólidos com as empresas são algo cada vez mais do passado. Aliás, muitos até preferem que assim seja: gerir o seu próprio tempo e para quem trabalham, não serem obrigados a cumprir um horário das nove às cinco num escritório, mas poderem gerir o seu horário em função de tarefas a cumprir, trabalhando em casa ou no café.
Só que esses vínculos mais flutuantes e as relações mais individuais entre empresas e trabalhadores trazem outra consequência que se irá acentuando no futuro: as reivindicações laborais terão cada vez menos influência na relação das empresas com o capital humano. Com o crescimento de sites que fazem a ponte entre empregadores e freelancers, os primeiros podem escolher quem querem contratar e quanto estão dispostos a pagar de forma fácil, eficiente e sem necessidade de vínculos prolongados.
No futuro, o trabalhador será precário ou não será. E esse é um fator predominante para que a descida dos salários e a desigualdade se acentuem no mercado de trabalho atual. Muita gente qualificada a lutar por cada vez menos trabalhos qualificados dá ao empregador margem de manobra para pagar hoje muito menos do que pagava há um ano ou mesmo há dez anos, e para pagar ainda menos no futuro próximo.
“O cérebro humano não devia ser explorado por causa do lucro”, diz Qiao Zhian, professor de Psicologia da Gestão da Universidade Normal de Pequim, citado pelo “South China Morning Post”. O especialista comentava o uso generalizado da tecnologia de medição de ondas cerebrais pelas empresas chinesas: “A venda de dados do Facebook já é suficientemente má. Vigilância cerebral pode levar o abuso de privacidade a um nível completamente diferente.” Embora as suas palavras ecoem mais além e mais longe: com as máquinas a fazerem o trabalho braçal, a próxima fase é a exploração do trabalho cerebral.