Reencontram-se esta noite, em Madrid, o Real e o Bayern, na segunda mão da meia-final da Liga dos Campeões, confronto que já se transformou num clássico, e vale a pena recordar aqui a primeira vez que a equipa merengue defrontou um adversário alemão nas competições europeias. De estalo!
Foi em Glasgow (na altura, em Portugal usava-se o portuguesismo Glásgua), na final da então Taça dos Campeões Europeus, a quinta consecutiva conquistada pelo Real Madrid, sendo o campeão alemão o Eintracht Frankfurt (que também se escrevia Francoforte). Resultado tonitruante: 7-3!!! Ponham aí os três pontos de exclamação e não os tirem, benzam-nos Deus.
Houve quem dissesse que fora o jogo da vida de Puskás. O húngaro tinha 33 anos e já muitos desconfiavam das suas capacidades. Engordara visivelmente, ele que nunca fora um modelo de elegância, e vivera alguns meses de baixa produtividade. Respondeu com a classe dos predestinados: marcou quatro golos nessa final.
Os outros três foram de Di Stéfano.
Incrível Real esse: Santamaría, Zarraga, Canário, Del Sol, Puskás, Di Stéfano, Gento…
Encantava a Europa e o mundo.
Os alemães, cheios de empáfia, até se adiantaram no marcador, por Kress, aos 20 minutos. Depois, até voltarem a reequilibrar-se, já tinham sofrido seis.
Nunca se vira nada assim.
Ingénuos também esses rapazes de Frankfurt, de grande capacidade atlética mas muito pecos na hora de tratar a bola com o carinho que ela merece. Lançaram-se sobre o seu opositor com uma coragem de assinalar, mas de uma forma, decididamente, pouco inteligente.
Os avançados espanhóis moviam-se, por sua vez, com à-vontade e velocidade. Di Stéfano era uma seta, como sempre: La Saeta Rubia.
Havia uma certa ilusão de domínio germânico. E depois…
O major Chamavam a Ferenc Puskás o Major Galopante. Por causa do tempo que passou no exército húngaro e que jogou pelo Honved.
O homem que muita da imprensa considerava acabado foi um flagelo.
Como Átila, o Huno. A relva também não crescia mais depois das cavalgadas de Puskás.
Ao intervalo, o resultado fixava-se em 3-1. Dois de Di Stéfano, um de Puskás.
Algo de natural para aqueles que tinham sido, até aí, os únicos vencedores da Taça dos Campeões. Não haveria nenhum Eintracht que lha tirasse das mãos.
A forma e a violência com que Puskás chutava às balizas de Hampden Park fazia soltarem-se das quase cem mil gargantas que rodeavam o relvado ooohhhs! de absoluto espanto. Até de incredulidade.
Loy foi o infeliz guarda-redes que sofreu sete golos.
Nunca mais, até aos dias que correm, outro keeper sofreu sete golos numa final dos campeões. Mas Loy saiu de Glasgow como um herói. Era quase de borracha na defesa de remates hiperbólicos do avançado nascido em Budapeste.
Nessa tarde, o Real Madrid poderia ter marcado dez ou 12 golos.
Nessa tarde, só à sua conta, Puskás poderia ter marcado seis ou sete golos.
Hans Welbacher foi outro dos infelizes de Glasgow. Mas não saiu como herói. Tinha-lhe cabido a função de marcar o Major Galopante e limitava-se a vê-lo galopar à sua vontade, corpo roliço, pés minúsculos (sempre foi muito glosado o facto de Puskás ter pés muito pequenos), e sobretudo via-o rematar de qualquer ângulo e qualquer distância, 20, 30, 40 metros…
Um jornal espanhol dizia com simplicidade: “Puskás e Di Stéfano – os dois elementos mais idosos da equipa, mas os mais influentes no rendimento global – abriram a cartilha do bom futebol e começaram a deleitar os espetadores. No final tinham repartido entre ambos os golos da equipa – três para o argentino, quatro para o húngaro.”
A primeira vez que o Real Madrid se viu frente a frente com alemães, o Hampden Park tremeu de entusiasmo.
Dez-golos-dez, como é costume dizer–se nas touradas.
O Rugido de Hampden era famoso nas ilhas Britânicas.
Nessa tarde ouviu-se para cá da Mancha. E fez eco nas calles de Madrid…