Jimmy Page, Keith Richards, B.B. King, Eric Clapton, Joe Perry, Pete Townshend e Slash não seriam os mesmos sem ela mas nem a iconografia inspiradora de milhões de guitarristas anónimos que se aquietam com a distorção, o som limpo e a reverberação foi capaz de salvar a Gibson da bancarrota.
Uma crónica anunciada já que o fabricante de Nashville contraíra dívidas na ordem dos 375 milhões de dólares (303,5 milhões de euros) a vencer em julho. Em caso de incumprimento, teria de pagar um empréstimo bancário no valor de 145 milhões de dólares (117 milhões de euros).
A “quebra financeira devastadora” provocou o desfecho previsível. A Gibson declarou falência mas o silêncio não é uma opção. Além da insolvência, foi apresentado um pedido de proteção de credores, o denominado capítulo 11, para tentar reorganizar o negócio. Os cabos ainda estão, por isso, ligados ao amplificador.
“Este processo será praticamente invisível para os clientes, que poderão continuar a confiar na Gibson para lhes oferecer produtos e um serviço ao cliente sem paralelo”, afirmou o CEO, Henry Juszkiewicz, em comunicado. Juszkiewicz comprou a Gibson em 1986, e tentou expandir o negócio.
A Gibson vai agora tentar vender alguns dos seus ativos, abandonando áreas de negócio como o equipamento de som profissional e doméstico, software de gravação, material para DJ, entre outros, para se dedicar exclusivamente ao fabrico de guitarras e outros instrumentos musicais como pianos. Em três anos, a Gibson vendeu fábricas, procedeu a despedimentos, mas as medidas foram insuficientes.
Nesse período, as vendas do grupo caíram quase 500 milhões de euros. E os prejuízos continuaram a agravar-se apesar de todos os anos serem vendidas cerca de 170 mil guitarras em mais de 80 países. Nos 12 meses até janeiro, as vendas cresceram 10,5% para 122 milhões de dólares. De acordo com o documento entregue em tribunal, a empresa reconhece ter estar presa a um “ciclo vicioso”.
“O meu sonho era ser a Nike do mundo da música. Tornar a empresa num sinónimo de lifestyle da cena musical. Neste momento vou ter de acabar com essa ambição”, reconheceu Henry Juszkiewicz. Foi aí que, apesar da prosperidade no negócio de guitarras, a Gibson entrou em queda livre. Adquiriu outras marcas de guitarras, fabricantes de pianos, empresas de alta fidelidade, de software de gravação musical, material para DJs e eletrónica de consumo. Diversificou a atividade mas o acorde foi maior que as pernas e várias centenas de milhões de dólares de som – só para comprar a divisão de som da Philips pagou 135 milhões de euros –, os problemas financeiros reverberaram.
A história da Gibson confunde-se com a do rock’n’roll. Fundada em 1902 em Nashville, após Orville Gibson, então com 38 anos, ter começado a fabricar guitarras e bandolins na oficina caseira, em Kalamazoo, no estado do Michigan, foi ou é o braço direito de lendas como BB King, Keith Richards (Rolling Stones), Jimmy Page (Led Zeppelin), Gary Moore, Slash, Mark Knopfler, Joe Perry (Aerosmith), James Hetfield (Metallica), George Harrison e Eric Clapton; e o esquerdo de Jimi Hendrix, Paul McCartney e Tony Iommi (Black Sabbath). Tão iconográficos como as mãos que lhe tocam é o barco que serve de extensão criativa.
Orville Gibson foi várias vezes hospitalizado entre 1907 e 1911, acabando por morrer a 19 de agosto de 1918, com 62 anos. Mas os sonhos excêntricos descritos no livro “The Gibson Story”, de 1973, continuaram a ecoar.
Em 1952, após décadas de produção de guitarras acústicas, a criação da elétrica Gibson Les Paul mudou a história da marca e da música. A febre da guitarra elétrica nascera em 1950 com a introdução da Fender Telecaster mas foi a Gibson que solucionou o problema da emissão em volumes altos. Para conquistar o mercado da Fender, o presidente da Gibson, Ted McCarty, trouxe Les Paul como consultor. Les Paul era um visionário que durante anos fizera diversos testes com o desenho de guitarras para consumo próprio. O resultado: um instrumento de design clássico, elegante, que combinava madeiras sólidas, como mogno, com acabamento e preços superiores aos modelos da Fender.
O impacto não foi o esperado e a Les Paul foi descontinuada em 1960. O som aveludado e luxuoso dos humbuckers, admirado por músicos como Eric Clapton, Keith Richards, Jeff Beck e Jimmy Page, ressuscitaram a menina dos olhos da Gibson
A procura crescente obrigou a Gibson a reativar a produção em 1968. Até hoje. E com edições especiais a atingirem preços entre os 400 e os 500 mil euros, no mercado de segunda mão. Há outros modelos bastante procurados (e nada económicos) como a SG (de Angus Young dos AC/DC), a ES (BB King) e a Flying V mas nenhum com o peso histórico da Les Paul.
A Gibson também é proprietária dos pianos Baldwin, utilizados por compositores da clássica ao jazz e à soul como Igor Stravinsky, Leonard Bernstein, Ray Charles e Dave Brubeck.