Dhlakama. A morte e depois?

Com a morte de Dhlakama, a Renamo fica órfã e o Presidente perde o interlocutor com quem negociava a paz.

Dhlakama. A morte e depois?

Amorte de Afonso Dhlakama deixa um vazio de poder na Renamo. Perde-se um líder carismático sem sucessor natural e Filipe Nyusi, o Presidente de Moçambique, fica a braços com as negociações de paz sem interlocutor. Além disso, há a ideia de que Dhlakama foi envenenado e não morreu, aos 55 anos, em consequência de complicações derivadas da diabetes de que sofria, como circula entre militantes e dirigentes do principal partido da oposição moçambicana. Por tudo, isto, depois da surpresa e do choque, fazem-se contas sobre o futuro do país.

«Dhlakama era um líder carismático e o partido foi construído em volta desta característica. Com um peso muito grande no processo de tomada de decisões a nível da própria Renamo», explicou o cientistas político João Pereira, citado pelo jornal O País.

Órfã do seu líder de 38 anos, numa altura em que o diálogo para a paz que estava a negociar pessoalmente com o chefe de Estado estava a atingir a reta final, a Renamo tem agora de se voltar para dentro e negociar uma sucessão: Ivone Soares, líder da bancada parlamentar e sobrinha de Dhlakama, é uma das apontadas; Manuel Bissopo, secretário-geral do partido, outro que poderá avançar. O processo não se iniciará para já, vem o luto primeiro e depois a preparação do congresso, onde será eleito o novo presidente.

Pode dar-se o caso de, estando doente há algum tempo, Dhlakama ter já preparado quem virá a seguir. Mas se até Nyusi foi apanhado de surpresa – «não me deram tempo, pois não me informaram que ele estava mal há uma semana. Disseram-me há um dia» –, é pouco provável que o seu estado de saúde fosse conhecido muito para lá do núcleo que com ele estava na serra da Gorongosa, onde se refugiou depois das eleições de 2014 em que acusou a Frelimo de fraude, chegou a propor um Governo de gestão e voltou às armas.

«Estou muito deprimido. É um momento muito mau, principalmente para mim. Estávamos a resolver os problemas deste país. Esforcei-me para transferir o meu irmão do local onde se encontrava, para ter tratamento médico especializado, mas não consegui», afirmou Nyusi citado no site da Presidência de Moçambique.

O corpo de Dhlakama já está no Hospital Central da Beira, onde chegou na madrugada de ontem desde Santurgira, na Gorongosa, no centro de Moçambique, transportado por via terrestre. O líder da Renamo irá ser sepultado na sua terra natal, no distrito de Chibabava, província de Sofala, onde nasceu em 1953, filho do régulo de Mangunde.

Ciente do melindre da situação, Nyusi disse na Televisão de Moçambique estar a «fazer tudo por tudo para as coisas não irem para baixo» e pediu à «Renamo que se concentre, não levem agendas quaisquer».

 «Moçambique não pode ficar mais parado, temos que andar. Porque nós não podemos continuar com um Estado sem oposição. A oposição não faz mal a ninguém», acrescentou o chefe de Estado moçambicano. E sublinhou: «Que não façam aproveitamentos» porque «agora não estamos em momento de confusão».

Os avisos e receios do Presidente moçambicano são justificados, as negociações de pacificação do país, da entrega das armas da Renamo, das contrapartidas a dar a Dhlakama e aos seus homens pela normalidade, haviam sido personalizadas, depois de Frelimo e Renamo terem passado muito tempo à mesa de negociações com poucos avanços e muitos recuos. Como diz Carlos Matsinhe, bispo da Igreja Anglicana em Moçambique, citado por O País, «esperamos que dentro da Renamo haja outro líder carismático com objetivo de trazer a paz para o país», mas a morte de Dhlakama «deixa preocupação» porque toda a gente estava à espera que «ele encerrasse as conversações para a paz efetiva com o Presidente».

Daviz Simango, líder do terceiro maior partido, o Movimento Democrático de Moçambique, sublinhou, entre os muitos elogios ao «líder», «combatente», «pai» e «homem que serviu a nação com muitos sacrifícios», que «estamos num momento difícil, o país precisa de se reconciliar consigo mesmo».