Na passada semana o Presidente vetou a lei TVDE, que iria finalmente dar o enquadramento legal às plataformas de mobilidade como a Cabify, Uber e Taxify. O documento foi devolvido ao Parlamento, que pode agora decidir alterar ou simplesmente reenviar o atual forçando assim a sua aprovação. Talvez tenha sido um mero infortúnio a legislação ter chegado à secretária de Marcelo versão reacionária e não à de Marcelo versão Web Summit – este último bem mais entusiasta em relação ao futuro da economia digital.
Não sendo jurista, procurei analisar a proposta de lei do ponto de vista do ‘framework’ que pretende estabelecer para esta incontornável atividade económica, que irá marcar tanto o futuro da mobilidade nas cidades modernas como as relações laborais na chamada ‘gig economy’. Em traços gerais a lei parece bastante razoável. Concretamente, a decisão de deixar de fora os famosos ‘contingentes’ é muito positiva. Estes contingentes mais não são do que um mecanismo de barreiras ao acesso de novos trabalhadores ao mercado, concentrando o poder desta decisão no planeador central autárquico – e não na relação entre procura e oferta – ao que se junta um mirabolante novelo burocrático. No lugar desta forma de licenciamento surge um processo bem mais simples e transparente, via IMT, com um prazo máximo de 30 dias úteis findo o qual a aplicação é tacitamente aceite caso não tenha sido comunicada razão para a rejeitar. Assim se alinham os incentivos por forma aos serviços terem a celeridade que o mundo de hoje exige – um autêntico bálsamo de modernidade! Seguramente o Presidente que ouvimos no Web Summit assinaria por baixo…
O comunicado da Presidência nota reservas precisamente na ausência de contingentes, e na necessidade de uma reforma mais abrangente na lei dos táxis. Caso a motivação dessa revisão fosse precisamente a de modernizar o setor, acabando com o sistema de preços fixos e os contingentes; ou a de antecipar a inevitável fusão dos dois sistemas, oferecendo aos taxistas total liberdade de poderem ser ao mesmo tempo condutores Uber – via o conceito ubertaxi que opera noutros países – então sim, a chamada de atenção presidencial seria de elogiar pois estaria a contribuir para mais liberdade de escolha tanto para consumidores como para motoristas.
Porém, por muito ambíguo que o texto possa ser, o tom do Presidente teve muito mais de mofo do que de brisa fresca, fazendo pairar uma miasma lobista no ar… Que saudades daquele Presidente empolgante, que em pleno Web Summit declarava perante uma plateia repleta de jovens e estrangeiros «Vocês estão a fazer uma [revolução]. Vocês são os transformadores porque estão a mudar o mundo. Estão a mudar a sociedade, economias, cultura e a forma de viver». Infelizmente, apenas mais um exemplo da duplicidade dos políticos de ontem, que têm uma mensagem para fora e outra para dentro – produções ‘para inglês ver’ mas decisões internas que vão em contramão.
«Estamos perante uma disrupção criativa… eu como professor de Direito tenho que admitir: o direito e a política estão muito atrasados em relação à ciência, tecnologia, economia e finanças. Já estamos atrasados». Sim Sr. Presidente, já estamos atrasados. Não perpetue o atraso. É preciso mais coragem. Os afetos para alguns erguem barreiras para outros.
*Gestor de portfolio multi-ativo no BiG – Banco de Investimento Global