O desporto não é só sinónimo de saúde, de milhões de praticantes e adeptos, de longos períodos de antena na rádio e na televisão e de contratos estratosféricos. Nos últimos meses também tem sido revelado um lado negro nas organizações desportivas menos visível: os casos de violência sexual. Esta semana foi destapado o véu do caso de cinco animadoras da claque (cheerleaders) da equipa de futebol americano Washington Redskins, que denunciaram que a direção da equipa as obrigou a posarem nuas para fotografias e a saírem como acompanhantes com os patrocinadores.
O caso remonta a 2013, durante uma viagem à Costa Rica, onde as cheerleaders iam fazer uma sessão fotográfica para um calendário.
As mulheres afirmam terem sido obrigadas a posar em topless ou nuas cobertas apenas de tinta, embora nenhuma das fotografias utilizadas no calendário mostrasse nudez. A sessão fotográfica, que durou mais de 14 horas, foi acompanhada, no local, pelos patrocinadores da equipa e os detentores de camarotes.
“Na sessão de uma amiga, colocámo-nos em volta dela como uma muralha humana, porque ela estava basicamente nua e, assim, impedimos que os homens que assistiam a vissem despida”, disse uma das cheerleaders ao “New York Times”.
No fim do dia, a diretora da claque disse a nove das 36 animadoras que o trabalho ainda não estava terminado: tinham uma “tarefa especial” para aquela noite. Alguns dos patrocinadores tinham-nas escolhido para os acompanharem a uma discoteca.
Algumas raparigas terão mesmo começado a chorar com as ordens dadas. “Ninguém nos apontou um revólver, mas o trabalho era obrigatório”, contou uma das animadoras. “Não nos convidaram a ir: ordenaram que fôssemos. Algumas de nós ficámos arrasadas, porque sabíamos o que a diretora nos estava a propor”, afirmou outra.
A saída não exigia sexo, mas foi-lhes dito que se comportassem como “símbolos sexuais”, de modo a satisfazerem os patrocinadores.
A denúncia sobre o que aconteceu na viagem à Costa Rica foi feita por cinco animadoras que pediram para manter o anonimato, porque assinaram contratos de confidencialidade com o clube.
Stephanie Jojokian, diretora de coreografia da equipa, nega que as raparigas tenham sido forçadas a fazer aquilo de que agora se queixam. “Não forcei ninguém”, afirma.
Em comunicado, o clube declarou que o seu programa de cheerleaders era um “motivo de orgulho” e “de serviço à comunidade”.
As cinco mulheres em causa parecem não ser caso único. Segundo o “New York Times”, dezenas de cheerleaders inquiridas revelaram uma perspetiva comum: todas gostam de dançar nos jogos, de desenvolver amizades com elementos de outras equipas e de participar em trabalhos de caridade. Contudo, sentem-se inseguras e perturbadas com outros “trabalhos” que lhes são propostos.
“Pena de morte” para Larry Nassar O caso das animadoras de claque surge depois de, em 2016, ter sido denunciado o maior escândalo sexual da história do desporto norte-americano. O antigo médico desportivo Larry Nassar foi condenado a uma pena de prisão entre 40 a 175 anos de prisão por abuso sexual de centenas de ginastas. A juíza responsável pela sentença, Rosemarie Aquilina, classificou a pena como uma “pena de morte”, dado que o médico nunca mais poderá sair da prisão.
A esta pena acresce ainda uma de 60 anos, com o mínimo de 25 de cadeia efetiva, por posse de pornografia infantil.
No total, foram 156 os testemunhos de mulheres que se apresentaram para contar os abusos que tinham sofrido às mãos de Nassar. Entre as vítimas estão as campeãs olímpicas Simone Biles, Jordyn Wieber, Aly Raisman e McKayla Maroney.
No julgamento, antes de ouvir a decisão final, o médico de 54 anos, que já tinha admitido ter abusado de sete atletas da Universidade de Michigan, reconheceu a “dor, o trauma e a destruição emocional” das adolescentes, defendendo, porém, ter utilizado os métodos de “um bom profissional”.
Muitas das vítimas culparam a USA Gymnastics e a Universidade do Michigan, que continuaram a dar trabalho a Nassar mesmo depois dos abusos terem ocorrido. As duas instituições asseguraram que tomaram medidas assim que souberam dos casos.
Na sequência do escândalo, a Federação Norte-americana de Ginástica anunciou a demissão de três dirigentes: o presidente do Conselho de administração do USA Gymnastics, Paul Parilla; o seu adjunto, Jay Binder; e a tesoureira, Bitsy Kelley.
Outros casos Antes do caso de Larry Nassar, o mundo do desporto já tinha sido confrontado com outros casos de violência sexual. Em Inglaterra, por exemplo, as revelações de um antigo jogador de futebol, Andy Woodward, em 2016, deram a conhecer uma teia de grandes proporções no futebol jovem (envolvendo 276 pessoas e 328 clubes), que levou à condenação de um antigo treinador, Barry Bennell.
A história de Woodward começou quando era criança e jogava nos Stockport Boys e Barry Bennell – treinador e olheiro para jovens talentos do desporto – o convidou para fazer treinos de captação. “Eu só queria jogar futebol e vi ali o início desse sonho. Mas tinha uma natureza delicada também e os rapazes delicados e fracos eram os alvos de Bennell”, contou o jogador, numa entrevista ao “The Guardian”.
Não demorou muito até começarem os abusos, que Woodward sofreu entre os 11 e os 15 anos, por entre ameaças e chantagens por parte do treinador. “Ou ameaçava com violência ou usava o futebol para me controlar. Se o aborrecesse de alguma forma, ele tirar-me-ia da equipa: ‘A qualquer altura, vais desaparecer e o teu sonho não se vai concretizar’. Era chantagem emocional”, contou.
Depois de Woodward divulgar a sua história, multiplicaram-se as denúncias no Reino Unido. Em abril de 2017, a polícia britânica falava em 560 menores vítimas de abusos sexuais no desporto no país, em especial no futebol, acrescentando que estavam identificados 252 suspeitos. A investigação policial em curso sobre abusos sexuais tinha já recebido, na altura, 1432 denúncias.
Já em Espanha, em 2016, foi detido o treinador de atletismo Miguel Angel Millán, depois de vários jovens seus ex-atletas o terem denunciado por agressões sexuais. Anos antes, em 2011, viera a público o caso do treinador de futebol americano da Universidade de Pennsylvania State, Jerry Sandusky.
E em Portugal? Também no nosso país são conhecidos casos de violência sexual em diferentes modalidades desportivas. Os episódios mais recuados remontam a 2012. Alcídio Rangel, antigo médico das atletas da Seleção Nacional feminina, foi condenado a cinco anos de prisão com pena suspensa, por um crime de coação sexual e 11 de abuso sexual de pessoa internada. No mesmo ano, Diogo Guinapo, treinador de futsal, foi sentenciado a 15 anos pela prática de crimes de abuso sexual de menores e pornografia. Em julho do ano passado, o Tribunal de São João Novo, no Porto, condenou um treinador de futsal de Gondomar, Humberto Cunha, de 65 anos, a dez anos de prisão por abusar sexualmente de quatro rapazes menores. E, dois anos antes, o treinador de futebol juvenil do Marco de Canaveses, José Carlos Veríssimo, tinha sido condenado a 25 anos por 327 crimes de abusos sexuais de crianças.
Mais recentemente, em setembro do ano passado, uma atleta portuguesa de 17 anos, campeã junior de Muay Thai, apresentou queixa na Polícia Judiciária contra o treinador nacional do mesmo desporto, Gil Aires da Silva, pelo crime de assédio sexual. Depois da denúncia, a Federação Portuguesa de Kickboxing e Muay Thai (FPKM) abriu um processo disciplinar e suspendeu o treinador de qualquer atividade.