É difícil saborear a vida. Muitas vezes acordamos já atrasados e passamos o dia com pressa para qualquer coisa que nem sabemos o que é. Assim, as crianças são, desde pequenas, empurradas pelos adultos pelos anos fora.
Quando trabalhei num agrupamento de escolas – na altura ainda eu não tinha filhos – comecei a aperceber-me que algo de muito estranho se passava com os meninos do pré-escolar. Aos três anos já não dormiam a sesta – porque segundo a escola o Estado deixou de pagar às educadoras para estarem duas horas ‘sem trabalhar’; começavam a aprender letras e números demasiado cedo e idealmente saíam com cinco ou seis anos a saber ler, escrever alguma coisa e fazer contas. Isto porque do outro lado, na escola primária, havia professores também aflitos com o extenso programa na expectativa de receberem alunos já adiantados. Se isto não acontecia, os educadores eram postos em causa, ou seja, um bom educador era aquele que, ainda que sem formação para isso, conseguia que as crianças começassem a aprender o que estava previsto para o 1.º ano.
Apesar de tudo, desde então alguma coisa tem mudado. Há mais correntes que suportam e defendem que brincar é fundamental e mais importante do que iniciar certas aprendizagens demasiado cedo. Embora cada vez mais creches comecem a reger-se por estes princípios, continua a ser travada uma árdua luta com a exigência de alguns pais, educadores e dos programas escolares. Ainda é muito difícil explicar que é importante brincar, correr, dançar. Que é essencial sentir, descobrir, explorar. Aprender a pensar, a escolher, a conversar, a partilhar, a pintar, a desenhar, a entreajudar, a moldar… uma infinidade de coisas essenciais que dificilmente poderão continuar a fazer mais tarde. Mas acima de tudo é difícil explicar que as crianças não perderão nenhuma corrida se se demorarem a ser crianças.
Este é um tempo em que tudo acontece demasiado depressa. Em que não se respeitam ritmos nem vontades, em que não há tempo para crescer vagarosamente, para amadurecer. Muitas crianças fazem lembrar a fruta do supermercado. Madura por fora e verde por dentro. Aparentam ser aquilo que lhes é exigido mas no fundo são crianças à espera de crescer.
Um bom exemplo disso foi um menino que segui numa dessas escolas. Era um matulão, o maior rufia da turma, mas na segurança do gabinete adorava brincar. Lembro-me bem de uma vez em que viu uma imagem do Ruca e não conseguiu controlar o entusiasmo, lançando um grito de contentamento. Parecia ter encontrado a sua saudosa infância escondida por baixo do pesado fato de mauzão.
Há pouco tempo para se ser realmente criança e infelizmente depois da entrada na escola primária há um mundo precioso que se começa a desvanecer. É preciso fazer um esforço por preservar este tempo que já não volta e libertá-lo das nossas exigências.
É importante dar tempo ao tempo e deixar as crianças amadurecerem longamente, para que cresçam em pleno, se consolidem harmoniosamente e sem pressa. Para que possam ser únicas e originais nas suas escolhas e descobertas e para que a aparência que têm por fora esteja em consonância e em paz com aquilo que realmente sentem e vivem por dentro.