Donald Trump largou enfim o machado sobre o entendimento nuclear iraniano e, a semanas de se encontrar com Kim Jong-un na busca de uma solução para a crise nuclear asiática, reavivou o espetro de uma corrida às armas atómicas no Médio Oriente e de um conflito armado com Teerão. O presidente norte-americano anunciou-o esta terça-feira com pompa, tal como anunciou, em junho, a saída do acordo de Paris para as alterações climáticas. Trata-se da mais crucial decisão de segurança nacional do seu governo. Trata-se também da mais arriscada. Para os EUA e para o mundo. E Trump parece tê-la tomado sob falsos pretextos.
“Temos provas definitivas de que a promessa é mentira”, afirmou esta terça Trump, numa conferência realizada na Casa Branca. O presidente referia-se aos materiais apresentados no início do mês pelo primeiro-ministro israelita, num direto para televisão com o qual, pouco disfarçadamente, procurou oferecer um álibi a Trump para abandonar o acordo. A estratégia resultou, apesar de todos os documentos divulgados por Netanyahu terem mais de 15 anos e se referirem a um programa clandestino há muito abandonado e conhecido dos governos ocidentais. Resultou, aliás, apesar de, nas últimas semanas, as próprias agências de espionagem americanas terem garantido que o Irão está a obedecer às regras estabelecidas em 2015. “No centro do acordo está uma ficção”, sentenciou.
Trump não fez menção a isto. “As ambições sangrentas do Irão estão hoje mais violentas”, disse, elencando outras queixas do acordo, muitas partilhadas pelos aliados europeus e a NATO, que passaram os últimos meses nos bastidores da diplomacia tentando evitar a saída americana do pacto nuclear. O presidente francês, a primeira-ministra britânica e a chanceler alemã deslocaram-se até nos últimos dias a Washington para dizerem em pessoa que, apesar dos seus defeitos, o acordo nuclear com o Irão é a ferramenta mais valiosa para evitar uma guerra desastrosa no Médio Oriente.
O presidente americano, no entanto, já não está rodeado das vozes moderadas do secretário de Estado e do conselheiro para a Defesa Nacional que, no último ano e meio, o convenceram a não cancelar o pacto. Nos seus lugares estão Mike Pompeo e John Bolton, o primeiro uma das vozes mais agressivas contra o apaziguamento das relações com o Irão, e o segundo uma das principais figuras defensoras da invasão americana do Iraque.
“Se o regime prosseguir as suas aspirações nucleares, terá mais problemas que alguma vez na sua história”, alertou Trump, acenando com a possibilidade de os EUA tentarem de novo alterar pela força o regime político iraniano – “o povo da América está do vosso lado”, disse, dirigindo-se à população iraniana. A correspondente diplomática da CNN, Christiane Amanpour, afirmava esta terça que nos corredores do poder americano se sentia acima de tudo o espetro do dia em que Colin Powell apresentou ao mundo provas falsificadas das armas de destruição maciça de Saddam Hussein.
O acordo não está morto, mas encontra-se moribundo e pode muito bem desaparecer em breve (ver texto ao lado). Mesmo que a participação dos outros signatários o sustente por alguns meses, ou anos, forçando o governo iraniano a aceitar limites aos seus programas nucleares para não receber novas sanções, o clima de instabilidade provocado por Trump aumenta severamente o risco de um confronto militar. O tratado nuclear negociado e assinado também pela União Europeia, Rússia e China era até esta terça a mais sólida garantia de que as forças especiais americanas no Iraque, Afeganistão e Síria não entrariam em confronto com os guardas iranianos da Revolução ou milícias patrocinadas por Teerão. Em breve desaparecerá o incentivo para que as relações iranianas, americanas e israelitas não se deteriorem e se aproximem do pé de guerra.