Todos lo Saben abre Cannes envolto em polémica

Terry Gilliam sofre AVC e pode não vir a Cannes, isto apesar de Paulo Branco poder ainda impedir a projeção no festival e a estreia em Franca do seu filme. Entretanto, vive-se ainda o boicote da Netflix, a proibicao das selfies na passadeira vermelha e a luta pela igualdade feminina. Assim medimos a pulsação deste…

Ainda se vivem os preparativos para a abertura da 71.ª edição do Festival de Cannes, e se assenta a passadeira vermelha para os convidados pisarem na cerimónia de abertura no serão desta terça-feira, dia 8, e diversas questões dominam já a atualidade. O pano abre com Todos Lo Saben [Everybody Knows], como que a piscar-nos o olho, o thriller psicológico do iraniano Asghar Farhadi, vencedor de dois Óscares (Uma Separação e O Vendedor), numa narrativa em que o casal Penelope Cruz e Javier Bardem ensaia uma relação adultera na região de Madrid nas costas do argentino Ricardo Darin.

Antes disso, a imprensa dedica-se a digerir um calórico aperitivo conjugado com todos esses temas. Desde logo acentuado pelo facto de não ter pódio ver em antecipação o filme de abertura, de acordo com as novas regras, para evitar as opiniões e criticas antes dessa gala. Mas tudo sera ultrapassado assim que o festival libertar a sua imensa montra de filmes que todos querem ver. De Spike Lee, com o seu infame The BlakKklansman, sobre um policia afro-americano que se torna no líder da seita recista Ku Klux Klan, ou com o regresso a Cannes de Jean-Luc Godard , com o filme Le Livre D’Image¸ cinquenta anos depois de o ter interrompido juntamente com Jacques Truffaut ou Polanski, em virtude da revolução estudantil que reinava nas ruas de Paris.

Talvez nesse lado mais político faça sentido referir a presença dos filmes do iraniano Jafar Panahi (3 Faces) e do russo Kirill Sebrennikov (Leto), ambos ainda detidos em prisão domiciliária, ou Les Filles du Soleil, de Eva Husson, uma das três realizadoras em competição, sobre um batalhão de mulheres do Curdistão que se prepara para libertar a sua cidade das mãos de extremistas ou ate a presença do estreante egípcio em longas-metragens A.B. Shawky, com Yomeddine. Isto além da forte presença asiática, representada por Jia Zhang-Ke (Ash is the Purest White), Lee Chang-dong (Burning), Kore-Eda Hirokazu (Shoplifters) e Hamaguchi Ryusuke (Asako & Il). Enfim, uma coisa é certa, quando chegarmos ao dia 20 Cate Blanchett terá a solução nas mãos ao entregar a Palma de Ouro da 71.ª edição do Festival de Cannes.

Novas regras inconvenientes antigos

 Antes disso, o festival prepara-se para superar alguns inconvenientes com regras novas e renovar códigos de conduta. Aspetos que ficaram de um modo geral definidos numa inesperada conferência de imprensa marcada em cima da hora em que o delegado geral Thierry Fremaux, o homem forte de Cannes, abordou os temas mais quentes que condicionam o festival, como o diferendo com a Netflix, a defesa do movimento feminino MeToo, mas também a recusa das selfies na passadeira vermelha e ainda o diferendo judicial entre o produtor português Paulo Branco sobre a exibição, ou não, do filme The Man Who Killed Don Quixote, previsto para a sessão de encerramento do festival, embora ainda preso por uma decisão final da justiça francesa que será apenas conhecida esta quarta-feira. Talvez por isso Fremaux tenha ficado surpreendido pelo aplauso com que a imprensa internacional o recebeu. “Estava mais a espera de booos”, confessou.

Sim, até porque ainda se digere o imbróglio no boicote da Netflix e as outras empresas de difusão de cinema via streaming, cujos filmes foram afastados da Competição por não respeitarem a lei francesa que obriga a estreia em sala e um período de exibição ate poder ser exibido nos canais de streaming.

Uma decisão que ninguém desejava já que deixou fora do festival da Croisette filmes muito aguardados como a derradeira e inacabada obra de Orson Welles, The Other Side Of The Wind, e que chegou a estar programado para ser exibido numa secção fora de competição. Outros trunfos da Netflix acabaram também afastados da Seleção Oficial competitiva, como Roma, do mexicano oscarizado Alfonso Cuaron, seguindo a vida de uma família de classe media mexicana no inicio da década de 70, e Norway, de Paul Greengrass, sobre o ataque terrorista de 2011 em que morreram 77 pessoas. Isto apesar de Fremaux ter suplicado, mas sem sucesso, ao gigante Netflix para poder contar com Roma. Na verdade, este e um impasse que estará longe de ser dirimido, ate porque o serviço te televisão paga, que conta com mais de 125 milhões de subscritores em todo o mundo, poderia muto bem via a Cannes e comprar grande parte do catalogo e difundi-lo depois apenas na sua plataforma. Seguramente, um tema que fará ainda correr muita tinta.

Por outro lado, naturalmente, a questão da liberdade e da violência sexual terá a devida atenção, desde logo, pela iniciativa do festival, em conjugação com a Secretaria de Estado encarregue da defesa dos direitos humanos, ao criar uma linha de telefone e endereço de email disponível durante todo o festival para as mulheres e também os homens vitimas de comportamentos físicos ou morais.

Desde logo, uma questão de igualdade de direitos que poderia igualmente afetar a afetar a competição, mas que Fremaux se apresou de referir, na mesma conferencia, que o festival fez o possível para assegurar que seleção fosse equilibrada. Mesmo que a seleção oficial competitiva recolha apenas três filmes dirigidos por mulheres (Capharnaum, da libanesa Nadina Labaki, Lazzaro Felice, da italiana Alice Rohrwacher, e Les Filels du Soleil, da francesa Eva Husson), mesmo que num júri liderado por Cate Blanchett maioritariamente feminino.

Seguramente escaldante, e talvez mesmo inédito, e o tópico que envolve a sessão de encerramento com o filme The Man Who Killed Quixote, e que opõe Paulo Branco, detentor dos direitos da obra, e a atual produção do filme de Terry Gilliam, e cuja decisão judicial e aguardada para amanha, quarta-feira, dia 9, da parte da tarde.

Entretanto sabe-se também que o realizador americano de 77 anos terá sofrido um novo AVC, no fim de semana passado em Londres, de acordo com noticia veiculada na edição online do jornal Nice Matin. No fundo, algo que já sucedera durante a produção do filme, e que poderá inclusive comprometer a sua vinda a promoção anunciada para Cannes. Esperemos apenas que isso não aconteça.      

 

(uma parceria do Jornal i com www.insider.pt)