A Eurovisão vista como um desporto

Das festas, da paixão, da animação, das apostas e do fanatismo cria-se um festival multicultural

Marie e Thomas juntaram-se para viver uma experiência que acreditam ser única. Ela veio da Suécia e ele da Áustria, vestidos a rigor para torcer pelos seus candidatos preferidos. Bandeirinhas e chapéus são adereços que não faltam. Para quem segue a Eurovisão, estar em Lisboa por estes dias faz tanto sentido como ir atrás de uma equipa de futebol Europa fora. O festival é como o desporto que praticam, contam.

Estão longe de estar sozinhos. Prevê- -se uma forte afluência de estrangeiros para acompanhar o evento, que se realiza pela primeira vez em solo português e decorre até sábado no Altice Arena, no Parque das Nações.

A paixão começa cedo, contam alguns dos “adeptos” do festival de música com quem o i falou ontem à entrada do recinto. Margot, belga, vive em Lisboa há oito meses e recorda que teria uns sete anos quando se “apaixonou imediatamente” – palavras dela – pela competição e pelo espetáculo.

Ao todo são 43 os países representados no festival. Entre os vários espetadores com quem foi possível falar é difícil encontrar uma música favorita, dada a variedade de concorrentes. As pessoas que vêm de longe apoiam sobretudo o país de origem, tendo algumas preferências pessoais. Alguns partilham que, ganhe quem ganhar, seria bom que fosse um país que nunca teve essa oportunidade – como aconteceu com Portugal em 2017, pela voz de Salvador Sobral. Mas há também quem esteja interessado no aparato em torno do festival e nas surpresas da produção. Um grupo de amigos vindos de Espanha, pela primeira vez em terras lusas, espera sobretudo “drama” – imagem de marca da Eurovisão. Saber em que lugar termina Espanha também entra no rol de expetativas, claro, e acreditam que o desempenho será melhor do que no ano passado.

Do grupo, apenas António esteve presente num evento semelhante em 2015, em Viena. Para os outros, estar num acontecimento europeu é uma novidade. Mas para os habitués há algo que salta de imediato à vista: a segurança adotada em Portugal parece algo “excessiva”.

A divulgação dos itens proibidos no recinto, lista que inclui bolas de golfe e guarda-chuvas, já tinha sido motivo de paródia na internet e, agora que o festival está mesmo a decorrer, as reações repetem-se. Ainda assim, a maioria compreende que as medidas podem ser cruciais. São esperadas cerca de 12 mil pessoas para a grande final, que acontece no próximo sábado, no Altice Arena. Vêm de várias partes da Europa, carregam histórias e momentos que partilharam ao longo dos últimos anos a assistir à Eurovisão e esperam que Lisboa marque este percurso eurovisivo, de preferência sem incidentes.

Até ontem, as apostas apontavam para uma valorização da participação de Chipre, o que vai ao encontro do pensamento de quem falou ao i. Ainda que tudo possa ser alterado até ao último momento, sabe-se que a canção interpretada por Netta, a concorrente israelita, já não é a preferida, pelo menos a avaliar pelo instinto dos apostadores. No ano passado, as bolsas de apostas revelaram-se certeiras: Salvador ocupou o segundo lugar durante a última semana de apostas e, na véspera da final, destronou a Itália e passou a ser o forte candidato à vitória, que viria a ser confirmada.

Face a eventos de grandes dimensões que ocorreram no passado como, por exemplo, a Web Summit e o Euro2004, a organização está fortemente preparada, com a distribuição de várias tarefas pelos voluntários e guardas nacionais da PSP. Foi ainda implementado um reforço nos meios de transporte que operam no Parque das Nações, de modo a facilitar as deslocações das pessoas ao Altice Arena. Ainda assim, circular em Lisboa não tem estado fácil nos últimos dias. Culpa da Eurovisão, do turismo e do bom tempo, que encheram as ruas.

Testemunhos

João Gil Martins (Viana do Castelo) e César (Galiza)

Partilham a febre da Eurovisão há vários anos e vieram de propósito a Lisboa para assistir ao evento. César Perez, galego, foi quem enfrentou uma viagem maior para chegar até à capital portuguesa. Vêm assistir a todos os eventos que estão a decorrer no Altice Arena e não deixam de reparar no aparato policial à entrada do recinto, que acreditam traduzir-se em segurança. Querem que seja a França a vencer ou algum país que nunca tenha ganho o festival. 

Jeremy (Inglaterra)

Pela primeira vez em Portugal, Jeremy marcou viagem só por causa da Eurovisão. No ano passado tentou ir a Kiev, mas não conseguiu comparecer por questões profissionais. Vê assim um sonho concretizado, por se considerar um grande fã e nunca ter visto o evento ao vivo. No Parque das Nações deparou-se com a segurança bastante restrita e afirma que “podia ser menos”. Tenciona assistir a toda a programação do evento, mas não tem expetativas: acredita que será uma competição difícil. 

Margot (Bélgica)

Margot estuda em Lisboa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, há oito meses. Está a tirar o curso de Tradução e considera que as competências académicas têm ajudado na compreensão das letras das músicas da Eurovisão. Mostra-se desapontada com a música de Israel que, até há pouco tempo, estava em primeiro lugar nas casas de apostas e aproveitou o facto de estar a viver em Portugal para apoiar a Bélgica. É fã da Eurovisão desde criança e está pela primeira vez a assistir ao vivo. 

Marie (Suécia) e Thomas (Áustria)

Já estiveram em Viena em 2015, mas nunca num evento com tamanha segurança como o da Eurovisão em Lisboa. Ambos esperam que a França ganhe, mas Marie confessa que está ansiosa por torcer pela Suécia. Sobre as performances, no geral, os dois amigos gostam de todas e acreditam que as músicas são fortes. Vestidos a rigor, não têm dúvidas em resumir o que é preciso para ser o fã perfeito da Eurovisão: hostilidade para com os outros países e uma bandeira. 

*Texto editado por Marta F. Reis