A controvérsia sobre a ciência em Portugal e Espanha é tão antiga quanto a própria Revolução Científica, e acredito que contém lições importantes para o desenvolvimento da ciência atual. Esta controvérsia pode exemplificar-se no debate que teve lugar em Espanha entre 1700 e 1900 em torno da seguinte questão: ‘Por que é que a ciência não criou raízes em Espanha, ao contrário do que aconteceu no mesmo período em quase todos os países da Europa Central e norte da Europa?’.
Foram precisos 200 anos – e a erudição e lucidez de Santiago Ramón y Cajal, o pai da neurociência moderna e do sistema científico espanhol, Prémio Nobel de Medicina (1906) – para clarificar as coisas e colocar um pouco de ordem no debate. No foi a Inquisição (que não queimou um só cientista espanhol ou português), nem o nosso clima quente e amável, nem a nossa aparente preguiça inata. Ramón y Cajal entendeu imediatamente que o primeiro fator determinante na ausência de ciência em Espanha era o muito limitado contacto dos estudantes universitários espanhóis com a ciência em si e com o que ela poderia alcançar. Assim, projetou e promoveu um sistema de bolsas de estudos através do qual os estudantes poderiam deslocar-se a laboratórios estrangeiros, e aprender o que ali era feito em primeira mão.
Ramon y Cajal era um verdadeiro visionário, e a ciência espanhola deve-lhe muito até hoje. De igual forma, o mesmo pode ser dito de Mariano Gago, ministro da Ciência português entre 1995-2002 e 2005-2011. As suas estratégias eram claramente semelhantes. Com base nas ideais de Ramón y Cajal e Mariano Gago, usufruindo de alguma liberdade de interpretação, quero resumir a implementação de um sistema nacional científico desenvolvido em 6 etapas:
1. Formar uma massa crítica de potenciais investigadores (p. ex., promover o ensino universitário);
2. Expô-los à ciência que é realizada em países mais desenvolvidos (p. ex., sistemas de bolsas de estudos e intercâmbio);
3. Criar um sistema científico nacional estável para reintegrar os investigadores em mobilidade (p. ex., criação e melhoria de novos centros de pesquisa e universidades);
4. Atingir uma massa crítica de investigadores de elevado nível (p. ex., oferecer condições de empregabilidade e ambientes de trabalho favoráveis);
5. Promover o desenvolvimento de uma economia baseada em novas tecnologias (p. ex., programas de ajuda financeira para a criação de empresas baseadas em novas tecnologias);
6. Assegurar a renovação de profissionais de investigação e desenvolvimento (I&D) por gerações futuras mais preparadas.
Mas o sucesso deste plano precisa da aplicação disciplinada e estrita dos 3 princípios fundamentais que sustentam qualquer sistema científico digno desse nome:
1. Investimento significativo e crescente (para atingir uma maior massa crítica, mais parecida);
2. Regularidade/previsibilidade (para permitir o planeamento antecipado da investigação e das etapas profissionais);
3. Estabilidade (manutenção das condições prévias de aumento de investimento e regularidade ao longo do tempo).
O investimento de Portugal em atividades I&D nunca superou um 1.5% do produto interno bruto (PIB). Portugal não tem regularidade nos seus concursos de financiamento: só houve dois nos últimos 5 anos, com uma muito baixa taxa de sucesso (cerca de 10%), e com os regulamentos mudando arbitraria e permanentemente. E, finalmente, Portugal não oferece estabilidade no emprego científico, como demonstra a posição do ministro Manuel Heitor com respeito à regularização PREVPAP da ampla maioria dos professores do ensino superior e investigadores.
O atraso da ciência em Portugal não é culpa dos investigadores, da nossa religiosidade, da preguiça ou do calor. Temos excelência a mais, espalhada pelo mundo e a trabalhar nas nossas instituições. O que precisamos é de maior investimento, regularidade e estabilidade para poder fazer bem o nosso trabalho e levar connosco o nome de Portugal ao topo da investigação mundial. A sociedade agradecerá.