E sta Lisboa solar era um dos tópicos mais ouvidos pelos corredores da Cordoaria Nacional na quinta-feira à tarde, dia em que a edição deste ano da ARCOlisboa abriu oficialmente ao público. O charme do edifício – muito diferente dos centros de congressos anódinos em que estes eventos costumam ter lugar – era outro tema recorrente, e por último, mas principalmente, a energia renovada do país que se plasma nos trabalhos dos artistas nacionais ali em exposição. Junta-se uma organização que, dizem os participantes ouvidos pelo SOL, é mestra em juntar «artistas, colecionadores, diretores de museus e curadores» e voilá: eis um evento que marca cada vez mais o panorama da arte contemporânea.
Foram exatamente estes atributos que levaram Ursula Krinziger, da galeria Krinzinger, em Viena – um dos pesos-pesados do mundo da arte contemporânea – a participar pela primeira vez na edição lisboeta da ARCO. Em 2016, visitou a primeira edição e ficou tão «impressionada» que resolveu testar a sorte em Lisboa. «Esta feira é muito especial, começando logo no edifício. As galerias estão mesmo dedicadas, querem mesmo estar cá. Sinto que não é uma feira assim tão comercial nem tão stressante», elogia. «Durante o dia em que estivemos a montar pudemos fazê-lo em silêncio e a pensar onde poríamos as peças, ninguém nos interrompeu, pudemos estar concentrados a ligar a arte com o espaço».
O número de participantes na ARCOlisboa tem efetivamente aumentado. Este ano há 72 galerias de 14 países – mais 14 do que no ano passado – e já há lista de espera. De Portugal, são 27.
Pedro Oliveira, da galeria homónima do Porto, é um dos galeristas mais antigos do país e o representante português com mais presenças no evento. Começou a ir à ARCOmadrid em 1989 e participa na filial lisboeta desde o início – 2016. Tem uma reputação bem enraizada e, ao que parece, uma popularidade intacta – por três vezes passámos pelo seu espaço, por três vezes voltámos para trás para não perturbar a conversa com os interessados ou potenciais clientes – nunca se sabe. Com a sua voz pautada e calma, Pedro Oliveira é um daqueles galeristas que, para lá do negócio, gosta de contar as histórias dos artistas e de cada trabalho que escolheu levar para os metros quadrados que lhe cabem por estes dias, como nos explica à quarta tentativa.
«Tento encaixar nos stands o maior número de artistas possível dentro de uma montagem correta. Isso é uma coisa que não é fácil, há uma linha ténue que distingue um stand cheio de um stand denso mas bem montado», explica. «Ninguém acredita mas tenho aqui 15 artistas e não parece. Acho que devo isso aos artistas e às pessoas também… É o meu estilo.
E como estamos na era digital depois tenho aqui um ipadzinho e mostro outros trabalhos».
Já Ursula escolheu uma abordagem diferente. «Por ser a primeira vez, ainda não sabíamos o que poderia ser interessante. Mas trouxemos artistas que falam português e espanhol, como o Rui Ferreira, que fez uma residência connosco há dois anos, e temos aqui uma pintura maravilhosa dele. E depois trouxemos outros artistas que costumamos mostrar, como a Marta Jungwirth. A ideia é construirmos um diálogo com estas obras», explica. E, diz, está satisfeita com o resultado. «Acho que podemos ir mais fundo no próximo ano, mas que para começar não está mau de todo!»
‘Nunca falo sobre dinheiro’
Falar de números nestes corredores não é um tabu mas também não é corriqueiro.
Pedro Oliveira é o mais transparente neste ponto: não se escusa a falar da peça mais cara que vendeu numa edição lisboeta. «Foi um Eduardo Batarda, à volta dos vinte e tal mil euros a um comprador institucional que tem muito bom gosto e que no ano passado também me comprou uma coisa do Paulo Brilhante». O galerista, diz, no entanto, que ainda se sente a crise. «O mercado da arte é volátil. Temos uma crise grande que já vai em dez anos, e numa crise a arte é a primeira coisa que os consumidores largam, há outras prioridades. Quando começa a recuperação somos os últimos também a ser apanhados: primeiro o carro, depois o apartamento, e a arte vem no fim». E será que já chegámos a esse fim? «Este ano não sei, vamos ver».
Ursula Krinzinger começa por se fechar em copas, mas lá nos diz que logo primeiro dia fizeram vendas. Quantas? «Several [várias]», responde. E o preço? «Nunca falo sobre dinheiro [ri-se]. Só tenho que tê-lo para os artistas, os meus funcionários e para montar a operação».
Corre à boca pequena que a peça mais cara será – o que não é possível confirmar, dado que nenhuma das peças tem o valor assinalado – , a informalmente chamada ‘Cabeça de Picasso’, da galeria Leandro Navarro e que o diretor da ARCO, Carlos Urroz, diz que gostaria de levar para casa.
Mas Urroz afirma que há ali peças para mais bolsos do que se imagina. «No Opening [uma das secções] há artistas que custam cerca de dois mil euros. Creio que com algum esforço muita gente poderia levar estas peças, mais gente do que pensamos. Associamos o colecionismo a obras de 500 mil, um milhão, mas na ARCOlisboa há muitas obras que valem mil, 1.200 euros».
Visitantes? ‘Há de tudo’
A tarde avança quente, a conversa segue e embate nos visitantes. Há quem entre mudo e calado se quede em frente às obras, há quem veja tudo em tempo recorde tipo excursão, há famílias, grupos de amigos. E, de quando em vez ouve-se uma tirada demasiado alta: «Adoro este». Quem é, afinal, o público da ARCO?
«Há de tudo», explica Pedro que diz, no entanto, que a parte de compradores «é um bocado residual». «Os que compram efetivamente são os colecionadores a sério que todos nós disputamos de forma saudável. E depois há assim um plano intermédio de gente que se pode excitar ocasionalmente com uma obra de arte».
Para os próximos dois anos há mais. «Já está tudo fechado com a Câmara Municipal, com a Marinha, com todos», garante Carlos Urroz. Até lá, é ir: a feira acaba já amanhã, às 18h00.