O sogro da minha bisavó chamava-se Silvério e era de Moura. Dentro das histórias da família há uma que continua a despertar gargalhadas à mesa: Silvério, casado com mulher de nome Virgínia, sabia do hábito da respetiva contemplar a rua à varanda. Longas horas passaria ela, olhando para Moura. Na hora de Silvério, meu trisavô Henriques, ir passar o fim-de-semana à Golegã, o rito era simples: confirmava a presença da mulher na varanda, arrumava rapidamente a mala, descia às escadas e, já prontíssimo para a viagem, gritava do fundo da rua: «Adeus, Virgínia! Vou para a Golegã!». E ela lá ficava, sem grande margem para questionar o destino e sem outra hipótese que não aguardar o regresso do esposo, esperando por ele, à varanda.
Eu, que nunca conheci o Silvério ou a Virgínia, nem sei nada deles além deste seu cómico «até logo», também estou de saída. Não de casa, mas do jornalismo. O meu caro leitor não mais lerá notícias escritas pela pena deste colunista, que manterá ocasionalmente a coluna de opinião por conta da gratidão para com quem dirige este jornal. O rumo não é tão certo quanto a Golegã, embora eventualmente animador, e o regresso é proprietário de idênticas incertezas.
Há mais de quinhentos anos, Nicolau Maquiavel escreveu que a política é o espelho mais pleno da natureza humana. Que, para o bem e para o mal, a atividade política é aquela que melhor reflete as tentações e as ambições dos homens. Eu, que gosto de Maquiavel, tendo a concordar com ele depois desta minha breve passagem pela reportagem partidária. O poder – ou a perseguição do exercício do poder – é uma vida que não se explica em dois parágrafos, uma entrevista ou alguma notícia. É mais do que isso. É complexo até quando primário, belo até quando errante. O tempo, os ciclos, as coincidências e a arbitrariedade da nossa natureza fazem dessa perseguição um caminho tonto de adivinhar e árduo de analisar.
Em dois anos, vi um homem perder a sua liderança partidária depois de computadores falharem a contagem de votos autárquicos, vi um Governo anti-austeritário ambicionar um défice zero, conversei com os maiores (e poucos) cérebros parlamentares, entrevistei o David Lodge com a Ana Sá Lopes em duplo entusiasmo, cobri marchas pela Liberdade, estive no negrume de Pedrógão Grande, colhi ódios, elogios, indiferenças e assinei desinteresses, verdades e ocasiões. Não foi uma coisa chata, caro leitor – a quem também agradeço a companhia. Se Maquiavel estava certo, e a política é mesmo o espelho mais pleno da natureza humana, o jornalismo certifica-se que há uma luz acesa para a natureza humana se ver de volta nesse espelho. A responsabilidade de não apagar a luz vai continuar aí. Os perigos de carregar no interruptor também.
Agora, adeus, Virgínia, que vou para a Golegã. Não adormeças à varanda.