Taça de Portugal. A primeira para a “maior vila do futebol português”

O Aves atingiu o ponto mais alto dos seus 88 anos de história, mercê de dois golos de Guedes (ex-Sporting) e de uma exibição imperial de Quim, no culminar de uma das semanas mais negras de sempre no futebol nacional

“If you had one shot, one opportunity/ To seize everything you ever wanted/ Would you capture it or just let it slip?” Os primeiros versos de “Lose Yourself”, uma das grandes obras de Eminem, podiam perfeitamente ter estado estampados nas paredes dos balneários do Aves durante a semana que passou – se por acaso estiveram, resta dizer: “Muito bem, mister Zé Mota.” Este era o maior momento nos 88 anos de existência do clube de Vila das Aves, freguesia do concelho de Santo Tirso que há duas semanas já tinha feito história ao conseguir pela primeira vez a permanência na i Liga.

É claro que ninguém se lembrou disso. Durante toda a semana, o assunto foi Sporting. E nunca por nada de bom. A derrota na Madeira, no último domingo, espoletou um rol de acontecimentos que redundaram na semana mais negra da história do centenário clube leonino e roubaram por completo o mediatismo que uma final da prova-rainha do futebol português deveria sempre acarretar.

Cheios de brio, coragem e personalidade, jogadores e técnicos do Sporting aceitaram ir a jogo no Jamor, mesmo tendo consciência de que um desfecho negativo poderia trazer-lhes consequências duríssimas até em termos pessoais. A entrada em jogo foi uma demonstração de crença e vontade: o Sporting estava ali para ganhar. Gelson Martins desperdiçou duas excelentes ocasiões ainda antes de transposto o primeiro quarto de hora – mérito total para o eterno Quim, que aos 42 anos voltou a demonstrar ter todas as qualidades intactas e ser ainda um dos melhores guarda-redes portugueses.

Gelson falhou, guedes não 

A entrada do leão, dizíamos, foi boa. Autoritária, até. Mas à primeira contrariedade percebeu-se rapidamente que era impossível mascarar o aterrador momento anímico durante os 90 minutos. Num contra-ataque rápido e superiormente executado, o Aves adiantou-se no marcador com um cabeceamento mortífero de Guedes – esquecido por Coates, que iniciava aí uma exibição para nunca mais recordar.

O Sporting tentou reagir mas, no resto da primeira parte, as melhores ocasiões até pertenceram aos avenses, com Braga (34’) e Rodrigo (45’) a assustar Rui Patrício. Ao intervalo, Jorge Jesus tentou dar um abanão na equipa e trocou William Carvalho por Montero, aumentando assim a presença na frente.

Mas o golo não surgia, muito por mérito da defesa do Aves mas também por incapacidade clara do Sporting em criar situações de perigo em ataque organizado. Pelo contrário, os comandados de José Mota agarravam-se com unhas e dentes a cada oportunidade de que dispunham. E foi assim que chegaram ao incrível 2-0, aos 72’, num lance em que Guedes fez o que quis de Coates antes de bater Patrício pela segunda vez. Tarde de glória para o jovem avançado português (24 anos), curiosamente formado… no Sporting.

Foi a gota de água para centenas de adeptos leoninos, que de imediato abandonaram o Jamor. Já não viram, assim, um falhanço inacreditável de Bas Dost, que em recarga após defesa de Quim, e com a baliza completamente escancarada à sua frente, atirou à trave (80’). Tal como já não viram o golo acrobático de Montero, a quatro minutos dos 90, que devolvia a esperança aos leões – na memória coletiva estava ainda a reviravolta incrível de há três anos, quando o Sporting perdia por 2-0 com o Braga a seis minutos dos 90 e viria a empatar (com golos de Slimani… e Montero), ganhando depois a competição no desempate por penáltis.

Não conseguiu chegar lá desta vez. E não foi por falta de tentativas: os quatro minutos regulamentares mais os sete de descontos foram passados praticamente todos nas imediações da área do Aves, com cruzamentos para os homens mais altos, mas a falta de pulmão e frescura nas pernas – motivada, obviamente, pela ausência de treinos durante a semana, bem como pelo vil ataque de terça-feira – desempenhou um papel crucial na exibição sportinguista.

As lágrimas de patrício

“Foi um início de semana muito complicado, parecia um filme de terror”, disse Jesus no fim. E terá todas as razões para o dizer, ele que viveu tudo bem de perto – e, tal como os jogadores, sentiu tudo na pele. Acaba por somar a terceira derrota em quatro presenças no Jamor – já ali havia caído com o Belenenses, em 2006/07 e com o Benfica em 2012/13, tendo vencido a competição pela única vez na temporada seguinte, ainda ao serviço dos encarnados.

Para a “maior vila do futebol português”, como se podia ler numa tarja exibida antes do jogo pelos adeptos avenses, segue a Taça e a certeza da presença na fase de grupos da Liga Europa na próxima época – o que tira o Rio Ave das provas europeias e obriga o Sporting a disputar a terceira pré-eliminatória da competição.

Do lado do Sporting, custou olhar para o semblante dos atletas, que saíram de campo sob reações mistas dos seus adeptos: uns insultaram, outros aplaudiram. Rui Patrício, que na véspera fora acusado pelo próprio presidente de, indiretamente, ter sido o causador dos bárbaros ataques de Alcochete, acabou lavado em lágrimas naquela que deverá ter sido a sua última partida no único clube que representou enquanto profissional.

Não se sabe o que se irá seguir no Sporting, onde a paz é um conceito absolutamente utópico por estes dias. Uma coisa, porém, terá ficado provada com este resultado: não é à lei da porrada que se põe os jogadores a jogar melhor e a ganhar jogos. É bom que Bruno de Carvalho, a Juve Leo ou seja que entidade for percebam isso de uma vez para sempre.