A controvérsia em torno do Museu das Descobertas apanhou Fernando Medina de surpresa. A ideia de criar na capital esta instituição é uma proposta inscrita no programa para o presente mandato na Câmara de Lisboa. Mas muitos não contavam com o braço-de-ferro de quem considera o nome “Museu das Descobertas” um erro de perspetiva. O i sabe que a polémica que se instalou em torno do assunto obrigou a colocar outras hipóteses em cima da mesa e, ao que tudo indica, o espaço vai chamar-se “A Viagem”.
“A preocupação era mostrar o que foram as descobertas marítimas, o que é que os portugueses encontraram quando chegaram à Índia, por exemplo, o que lá deixaram e o que trouxeram. Era para ser na Ribeira das Naus e ter como peça principal uma réplica de uma caravela em tamanho aumentado. Mas esta polémica toda mudou tudo, até porque não é de todo um museu a favor do colonialismo”, começa por dizer fonte próxima de Fernando Medina, acrescentando que “vai então ter outro nome e outra localização. Vai ficar entre o Jardim do Tabaco e o cais dos paquetes”.
Fantasma dos Descobrimentos J. P. Oliveira e Costa, um dos signatários da carta que originou a discussão, começou, desde cedo, a falar em ‘disputa ideológica entre a esquerda e a direita’. Mas afinal o que está em questão?
A carta começava com uma pergunta: “Porque é que um museu dedicado à ‘Expansão’ portuguesa e aos processos que desencadeou não pode nem deve chamar-se ‘Museu das Descobertas’?”. A resposta foi dada através de um conjunto de argumentos de caráter científico e ideológico. “Para os não europeus, a ideia de que foram ‘descobertos’ é problemática”, defendia o texto que apontava também “Descobertas” como sendo “uma expressão obsoleta, incorreta, e carregada de sentidos equívocos”.
Seguiram-se argumentos de quem defende o uso das palavras e de quem acha que não devem ser banidas. “Nunca tive problemas em usar as palavras. Quando fiz o meu mestrado em 1984, dez anos depois do 25 de Abril, usei sempre a palavra ‘ultramarino’ contra a vontade de toda a gente”, defendeu João Paulo Oliveira e Costa, historiador da Expansão e catedrático de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Nova).
Para o historiador, nem a colagem da palavra ‘Descobertas’ ao Estado Novo faz sentido. É “um exagero” e é “ridícula”. “Basta lembrar que, já quando D. João V enviou a embaixada a Roma, no início do século XVIII, as imagens que iam nos coches eram o Ganges e o Adamastor. Desde D. João V, pelo menos, que Portugal se apresenta ao mundo como país dos Descobrimentos”.
Vários nomes tem vindo a juntar-se contra e a favor. Por um lado, há uma petição que defende o nome “Museu das Descobertas” e, por outro, vários agentes culturais que decidiram juntar a voz à carta pública assinada por vários cientistas sociais.
“Em repúdio de uma história anacrónica que assuma um ponto de vista unívoco e glorificador, o qual tem vindo a ser contestado em fundamentadas reformulações por múltiplas investigações académicas nacionais e internacionais, apoiamos a urgência da revisão dos termos ”descoberta”/“descobrimentos” e outros eufemismos (“primeira globalização”, “viagem”, “diáspora”, “interculturalidade”, “mar”, “lusofonia”) como o primeiro passo para uma discussão mais ampla e plural”, pode ler-se no documento, divulgado esta semana pelo “Público”.
Existem, aliás, as mais variadas posições sobre as várias designações. Jorge Matos, doutorado em Descobrimentos, explica que, por exemplo, “a palavra “Descobrimentos”, apesar de estar bem enraizada e em uso há muitos anos, é, de algum modo, redutora para definir uma época que foi muito importante para Portugal. Pior do que “Descobrimentos” seria “Descobertas”, mas é difícil encontrar algo melhor que “Expansão”. Todos os títulos rebuscados e longos, por muito esclarecedores e abrangentes que possam ser, carecem de impacto. E um título tem de ter impacto”.
E a escravatura? Para muitos estão ainda em causa alguns dos aspetos mais negros da Expansão. Segundo o projeto de Medina, haverá um núcleo dedicado à escravatura. Mas este tópico também incendiou a discussão. Na carta, publicada pelo “Expresso”, podia ler-se: “Os portugueses dos séculos XV a XVIII – bem como os dos séculos XIX e XX – nem sempre foram paladinos do diálogo intercultural. Muito frequentemente foram o contrário disto”.
E também aqui se multiplicaram opiniões contrárias com algumas vozes a defenderem que a polémica resulta apenas de um mal-estar com a História de um certo grupo que “é minoritário, mas muito ativista”.
Em resposta a toda a controvérsia, António Costa tomou posição e diz: “Não temos de ter uma relação complexada com os Descobrimentos”. Com a tónica de que é preciso “descolonizar os Descobrimentos”, o primeiro-ministro avançou mesmo que também a escravatura “faz parte da nossa História e não pode, não tem como e não deve ser ignorada”.
Discussões à parte, sejam elas políticas ou ideológicas, o museu já tem, ao que tudo indica, novo nome e nova localização prevista.