Depois de muitas contradições em decisões do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nas últimas horas acatar a mais recente tomada de posição da instância superior e pôr fim ao processo de extradição de Raul Schmidt para o Brasil. Schmidt está acusado pelo Ministério Público brasileiro dos crimes de corrupção, organização criminosa e branqueamento de capitais, no âmbito da Operação Lava Jato.
«Não obstante o expediente remetido a este Tribunal proveniente do Supremo Tribunal de Justiça, não se enquadrar em nenhuma das formas processuais de recurso ou reclamação incidentes sobre o nosso despacho de 18.05.2018 […] ficaram para nós sanadas quaisquer dúvidas interpretativas sobre o alcance das decisões proferidas quanto à extradição ou não, do arguido Raul Schmidt Júnior», refere numa decisão desta semana o juiz desembargador da Relação que tinha mandado a extradição prosseguir no início deste mês, concluindo que a extradição ficava então sem efeito.
Confusão instalada
Esta semana, antes da decisão do Supremo que esteve na origem desta determinação da Relação de Lisboa, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha-se pronunciado sobre um pedido feito pela defesa dizendo que nada poderia ser feito por aquele tribunal para travar o processo de extradição posto em marcha pela Relação de Lisboa.
Na sequência de vários recursos, o arguido viu as diversas instâncias decidirem pela extradição, tendo em conta os pressupostos iniciais – os crimes por que será julgado no Brasil são anteriores a 2014, altura em que não tinha ainda nacionalidade portuguesa.
Ainda assim, quando já tinha transitado em julgado a decisão relativa à extradição, a defesa interpôs um habeas corpus – pedido de libertação imediata – para o Supremo, que, além de aceitar a libertação referia que o prazo para extraditar o arguido já há muito tinha sido ultrapassado – indicando que o limite para a entrega do arguido às autoridades brasileiras era 26 de março. Esta decisão – datada do início deste mês –, além de ser relativa a um habeas corpus e de não ser expectável que visasse a matéria da extradição (era só sobre a libertação do arguido), contrariava a anterior do próprio Supremo, que tinha já deixado claro que a extradição era para prosseguir.
A Relação decidiu avançar com o processo (por ter duas decisões com o mesmo peso e a que mandou extraditar ser posterior a março, o alegado prazo limite), mas quando o arguido se apercebeu voltou a disparar para todo o lado. Do presidente do Supremo recebeu a resposta de que não havia nada a fazer. Do juiz que lhe deu razão no habeas corpus viu uma nova decisão favorável e que levou a Relação a pôr fim ao processo.
As pressões do governo e as ligações a fadistas
Numa decisão a que o SOLteve acesso, o juiz da Relação, Augusto Lourenço, mostra-se perplexo com a interferência do Governo neste caso. Isto porque quando o arguido tentou pôr em causa a fase administrativa do processo dizendo que com a nova lei da nacionalidade tinha passado a ser cidadão de origem, houve um pedido «insólito».
O magistrado afirma que uma ordem do chefe de gabinete da ministra da Justiça suspendeu os trabalhos da PJ, com o argumento de que tinha entrado uma cautelar administrativa. Deixou claro que o caso merece a atenção da PGR, por Portugal ser «um Estado de direito, com independência de poderes».
Nos últimos dias, antes da ordem da Relação que pôs fim ao processo de extradição, Schmidt não se mostrou disponível para comparecer pessoalmente às autoridades, tendo sido localizado pela PJ, segundo avançou o CM, em casa da irmã de Amália Rodrigues, Celeste Rodrigues. Isto porque, em Portugal, o suspeito travou conhecimento com alguns fadistas – que chegaram mesmo a entregar um habeas corpus –, meio onde segundo o mesmo jornal o fez conhecer Madonna.