Os recentes episódios no Sporting Clube de Portugal produziram alguns dos momentos mais tristes da história do clube. Sou sportinguista e acreditem que dói na alma ver as imagens do assalto à academia de Alcochete ou as várias manifestações dos adeptos que, numa amálgama de espanto, revolta e mágoa, gerem como podem um conjunto complexo de emoções. Mas este não é um texto para analisar o momento atual do Sporting, mas antes uma breve reflexão sobre a importância dos clubes desportivos enquanto estruturas sociais, que me faz sentido partilhar neste contexto que o Sporting criou.
Na minha realidade, nascido em 1979 e sempre criado em Lisboa, praticar desporto era o desejo de muitos de nós. Na escola encontrávamos uma estrutura que dava algum apoio, além da componente letiva da educação física (que enquanto aluno sempre senti que era encarada como uma disciplina secundária) participávamos nos jogos da Paz, da Amizade ou da Cidade ou num dos campeonatos entre escolas, num espírito de descoberta e partilha dos prazeres e valores do desporto. Do xadrez à natação, passando por muitas vertentes do atletismo, tínhamos oportunidade de experimentar muitos desportos diferentes. Já não me recordo se havia medalhas para todos, mas ninguém saía de lá com as mãos a abanar. De todas as participações, recordo que o essencial era um grande convívio a propósito do desporto.
Mas na minha época, e julgo que hoje em dia não será muito diferente, os clubes desempenhavam um papel muito importante, permitindo mais acesso ao desporto. Se na escola fazíamos o possível, nos clubes encontrávamos estruturas mais especializadas, uma outra oferta. Ali praticávamos desporto porque queríamos, assumíamos compromissos sérios com horários e metodologias de treino, aprendíamos a competir e a treinar para nos superarmos. São muitas as pessoas que encontro que passaram, em crianças, pela natação ou pela ginástica, atletismo, futebol, andebol, hóquei em patins e tantas outras modalidades na juventude e adolescência. E, pelo menos na zona de Lisboa, nenhuma instituição tinha o prestígio do Sporting Clube de Portugal, era a opção de muitos independentemente das suas preferências clubísticas. O Sporting era uma escola com muitos alunos.
Quando falamos de uma marca centenária não podemos ignorar o seu legado. O do Sporting é gigante, em muitos aspetos, único, sendo o futebol apenas uma parte da sua história e identidade. É uma parte importante, mas é apenas uma parte. O Sporting formou ao longo de décadas atletas, pessoas, competiu nas mais diferentes modalidades nos quatro cantos do mundo. Perdeu, ganhou e empatou, mas sempre dignificou o seu nome e sempre elevou o nosso país. Esta é a marca do Sporting, alicerçada nos quatro valores que dão o título a este texto e que sportinguista algum poderá esquecer, sob pena de um dia não se reconhecer.
A reputação de uma marca, seja de um clube desportivo ou de um refrigerante, é um dos seus principais ativos. A reputação é a consequência da sua ação junto dos múltiplos stakeholders com que se relaciona, traduz a confiança, o apoio e a credibilidade de que uma marca goza. Intrinsecamente relacionado com a sua reputação, está o seu propósito. Porque é que a marca existe, para que é que serve?
Compreender, definir e executar o seu propósito deve ser um caminho natural para uma marca. E aqui volto aos clubes desportivos: será que, gozando hoje de um protagonismo na sociedade e de uma exposição mediática ímpar, conhecem e cumprem o seu propósito de formarem seres humanos excecionais através dos valores do desporto? É que isto, apesar de não vender tantas camisolas (pelo menos de forma tão direta) parece-me muito mais importante do que ganhar o próximo campeonato.
O Sporting, além de grandes atletas, criou muitos homens e mulheres que são motivo de orgulho para qualquer português. Quando assim sucede, não acredito que possa existir outro propósito. Não acho que faça sentido mudar. Porque instituições assim são poucas e fazem muita falta. Fazem sempre. Sporting sempre.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media