Doença. País em “alerta laranja” pela esclerose múltipla

Portugal quer-se vestido de cor de laranja para celebrar o Dia Mundial da Esclerose Múltipla, que se assinala hoje. Esta doença afeta mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo e oito mil em Portugal. O i esteve na sede da Sociedade Portuguesa da Esclerose Múltipla para ouvir o testemunho na primeira pessoa

Esta quarta-feira, Portugal veste-se de laranja para a campanha ‘Alerta Laranja – Juntos Vencemos a Esclerose Múltipla’, criada pela Sociedade Portuguesa da Esclerose Múltipla (SPEM). Pretende despertar e alertar a população para a importância de apoiar e melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem com esta doença, com cerca de oito mil casos em Portugal e mais de dois milhões em todo o mundo.

Hoje, Dia Mundial da Esclerose Múltipla, a doença promete tornar-se mais visível: as fachadas dos edifícios e monumentos emblemáticos iluminam-se de laranja e algumas das mais famosas praças de Lisboa acolhem atividades de sensibilização e de animação. A campanha também está presente no meio digital: cada fotografia partilhada com uma peça de roupa cor de laranja, acompanhada pela hashtag da campanha ‘#EMalertalaranja’, contribui com um euro para as associações de doentes com EM.

A ideia principal da iniciativa centra-se no papel ativo que os doentes devem ter nas decisões médicas. “É um ponto muito importante porque os desenvolvimentos a nível da investigação e a nível dos apoios sociais são feitos na perspetiva de pessoas que gerem decisões ou que gerem budgets, que não são as pessoas mais interessadas no que resulta na gestão desses budgets”, diz ao i Susana Protásio, vice-presidente da SPEM. Muitas vezes, continua a responsável, “não estão verdadeiramente cientes daquilo que é mais importante e que é prioritário para o doente.” O ponto de vista do doente é crucial: irá orientar “melhor as decisões e as prioridades” e “todos saímos a ganhar”, sublinha Protásio.

As campanhas não param por aqui e já se têm feito várias iniciativas para alertar para esta doença. É o caso da campanha ‘EM Roda-Viva’ – um desafio lançado pela SPEM –, que pretende destacar a rede de apoio em torno de todos os doentes com EM. Para participar é simples: só tem de reunir um grupo, dar as mãos em forma de roda, tirar uma fotografia e partilhá-la nas redes sociais com a hashtag ‘#EMRoda-Viva’. A ideia é criar uma roda de amizade e de compreensão social para todos os que lidam com esta doença diariamente.

Viver com a doença

Na sede da SPEM, os jornalistas puderam há uns dias participar numa formação sobre esta doença e ouvir o testemunho, na primeira pessoa, de como é viver com esclerose múltipla.

Depois de a plateia ter ouvido Joana Parra, neurologista, e Susana Protásio, entra na sala Alexandre Guedes da Silva, um doente com esclerose múltipla. Caminha com a ajuda de uma bengala, mas isso não lhe rouba o sentido de humor. Até porque teve alguns percalços.

No início, “não sabia que tinha a doença”, contou. A esclerose múltipla “é uma doença muito escondida” e que se confunde com outros problemas de saúde. Os sintomas chegaram quando era um jovem adulto, mas o primeiro diagnóstico foi confundido com um problema de visão: os médicos disseram-lhe “que precisava de usar óculos e de repente fiquei curado”. O segundo episódio começou a ser tratado como uma hérnia discal. Alexandre era atleta de alta competição e praticava vários desportos, o que, a longo prazo, pode danificar a medula óssea, levando os médicos a acreditar que se tratava de uma hérnia. “Só que o que eu tinha não era uma hérnia discal. Tinha várias hérnias e lesões na medula devido à esclerose múltipla”, explicou. “Isto mostra que a vida dos doentes acaba por ser uma montanha russa de emoções”, frisou.

Depois de ter sido diagnosticado, os três primeiros anos da doença “foram horríveis”. Quase já não andava e estava mesmo “à beira da cadeira de rodas”. Foi aí que apanhou um “susto” que o fez mudar de atitude, começando a encarar a doença de outra forma. “Dei a volta, com muito trabalho e hoje consigo andar”. E apesar das limitações, também já consegue fazer desporto adaptado.

Esta doença “é uma roleta russa (…) cada vez que temos um surto lá vai uma bala de um calibre micro que destrói um bocadinho de cérebro. O nosso cérebro é fantástico e consegue adaptar-se a isso, resolver os problemas que advêm com aquele bocadinho de cérebro que deixou de funcionar”, simplifica, completando que é este fator que faz com que todos os casos de EM sejam diferentes. Aos olhos de Alexandre, esta doença é mesmo uma espécie de cruz que os doentes têm de levar às costas, mas não pode ser encarada como “uma fatalidade” porque “é algo que acontece”.

A ideia geral da sociedade em torno da doença é que deve mudar, defende. “Deve criar condições para os doentes se sentirem úteis”, diz Alexandre. Apesar de já estar reformado com invalidez parcial, teve de fazer um “esforço muito grande” para lhe ser atribuída a invalidez porque “queria continuar a trabalhar”, queria sentir-se útil. Quanto à empregabilidade, Alexandre admite que ainda há um longo caminho a percorrer para que os doentes com EM se possam integrar no mercado de trabalho.

Susana Protásio concorda: “Na realidade eles não têm muitas oportunidades (…) Há alguns empregadores que se acomodam e tentam gerir alguma limitação que as pessoas possam ter, mas estamos a anos luz de conseguir isso bem”, sublinha. “O mercado de trabalho e as leis que protegem as pessoas com deficiência são feitos em função da incapacidade da pessoa. Há um paradigma que tem de ser alterado e funcionar em termos da capacidade: ver o que é que é a capacidade da pessoa e colocá-la a trabalhar pela capacidade que tem e não criar limitações”, adiantou.