As entidades reguladores dos bancos nos Estados Unidos planeiam alterar a regra de Volcker, uma lei aprovada depois da crise financeira que limita os comportamentos de risco e a especulação dos bancos.
Na quarta-feira, a Reserva Federal norte-americana (Fed) divulgou uma proposta, já esperada, para suavizar a regra de Volcker e dar aos bancos mais liberdade para fazerem investimentos complexos, que podem ser altamente rentáveis, mas que acarretam muitos riscos e podem deixar o sistema bancário dos Estados Unidos vulnerável.
Depois de a Fed apresentar a proposta, outros quatro reguladores seguiram o exemplo, dando início a um período de consulta pública que deve durar cerca de 60 dias.
A regra, que faz parte do conjunto de leis Dodd-Frank, foi pensada para impedir que os bancos façam apostas inseguras com o dinheiro dos depositantes. Demorou três anos para ser redigida e aprovada e foi sempre classificada por Wall Street como onerosa e prejudicial ao bom funcionamento dos mercados financeiros.
A flexibilização da regra de Volcker faz parte de um esforço coordenado entre os grandes bancos americanos e o governo de Trump para suavizar as regras postas em prática depois da crise financeira de 2008. Encorajados pela agenda desregulamentadora de Donald Trump e por um clima político mais favorável em Washington, os mais importantes banqueiros dos Estados Unidos começaram a pressionar para que fossem feitas mudanças que incluem a regra de Volcker.
Os reguladores referem que o objetivo fundamental da regra não vai ser alterado e que os bancos não vão ter permissão para voltar a ter os comportamentos de risco que existiram antes da crise, quando fizeram grandes investimentos e acabaram por perder enormes quantias. Contudo, afirmam que a regra precisa de ser simplificada para que os bancos consigam cumpri-la mais facilmente e para que o governo possa aplicá-la adequadamente.
“A proposta incide em alguns pontos complexos da regra que geram incertezas e tornam difícil que as empresas saibam qual a melhor maneira de cumprir a lei e que os supervisores consigam perceber se os bancos estão ou não a cumpri-la. O nosso objetivo é substituir requisitos excessivamente complexos e ineficientes por um conjunto de requisitos mais simplificado”, disse o presidente da Fed, Jerome H. Powell.
A regra de Volcker foi incluída na lei a pedido de Paul Volcker (daí o nome), um ex-presidente da Fed que defendia que o dinheiro da bolsa de Nova Iorque estava a ser usado de forma imprudente.
Na quarta-feira, Volcker, que agora é presidente da empresa Volcker Alliance, elogiou os esforços para simplificar o cumprimento da regra, mas afirmou que é importante não esquecer o objetivo principal da lei. “O importante é que a simplificação não prejudique o princípio central em questão: que grupos bancários apoiados pelos contribuintes, de qualquer tamanho, não participem de negociações proprietárias em desacordo com o público básico e os interesses dos clientes”, afirmou.
A proposta dos reguladores sugere que os bancos deixem de ser obrigados a apresentar uma justificação para cada operação específica que façam. Em vez disso, devem implementar regras de controlo internas e programas de conformidade rígidos para garantir que estão a cumprir os requisitos da regra de Volcker.
Outra das mudanças sugeridas pelas autoridades reguladoras é que seja criado um regime adaptado de acordo com o tamanho da instituição bancária. Os bancos que tenham mais de 10 mil milhões de dólares em ativos devem enfrentar o conjunto de regras mais rigoroso. Os bancos com ativos entre 10 mil milhões e mil milhões de dólares terão uma estrutura de conformidade mais simples. E, por último, os bancos com menos de mil milhões de dólares em ativos não serão obrigados a cumprir a regra de Volcker.
Reações
A discussão já está a provocar indignação entre os defensores dos contribuintes e outros analistas financeiros, que advertem que as mudanças vão permitir um retorno aos velhos tempos. “Esta proposta não é um pequeno conjunto de ajustes técnicos, mas sim uma tentativa de desmantelar elementos fundamentais da resposta à crise financeira de 2008, quando os bancos financiaram os seus investimentos com depósitos garantidos pelos contribuintes”, disse Marcus Stanley, da organização Americans for Financial Reform.
Elizabeth Warren, senadora dos Estados Unidos pelo Massachusetts e uma das críticas mais contundentes da mudança, classificou a proposta como o mais recente exemplo de corrupção do governo de Trump. “Mesmo com os bancos a obter lucros recorde, os seus antigos colegas banqueiros convenceram os reguladores a fazerem-lhes o favor de reverter uma regra que protege os contribuintes de outro resgate financeiro”, disse Warren.
Por outro lado, alguns grupos empresariais aplaudiram a proposta, considerando-a um passo na direção certa que pode permitir que os bancos funcionem com mais eficiência. Em comunicado, a Securities Industry and Financial Markets Association afirmou que a proposta da Fed mostra que os reguladores estão finalmente a reconhecer o “impacto negativo não intencional” das regras complexas que governam o sistema financeiro. E a American Bankers Association elogiou os reguladores por “tomarem medidas sensatas para adequar melhor os regulamentos ao risco”.