Porém, os dados previamente expostos apenas visavam a área desaparecida, não a ardida. Só em 2017, por via do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), ficou registado que arderam 442.418 hectares de área florestal, ou seja, cerca de 428% superior à média registada entre 2007 e 2016.
Tendo a sociedade Portuguesa se deparado com um ano de tragédias sem precedentes (com especial enfoque para o sucedido em Pedrógão Grande), determinaria o decoro, bem como algum bom-senso, que a nossa estimada classe política se coibisse de fazer qualquer espécie de aproveitamento político. Expectativa frustrada, infelizmente.
Da Esquerda à Direita, poucos foram aqueles que não hesitaram em se desresponsabilizar face ao sucedido, fosse através da clássica acusação de “inação” do XIX Governo Constitucional, do simples facto de não pertencerem ao “arco da governação”, ou do Governo liderado pelo Dr. António Costa não se ter preparado adequadamente para o que já se antecipava como sendo um período invulgar de altas temperaturas.
A verdade, a meu ver, é que a responsabilidade dos eventos do ano corrido se repartem equitativamente por todas as legislaturas dos últimos 15 anos, tendo como ponto de partida os grandes incêndios de 2003, dos quais resultaram cerca de 21 mortes e a perda de 420 mil hectares É claro, existe uma variedade de problemas estruturais face à prevenção de incêndios que remontam a meados e finais do séc. XX, como é exemplo a inexistência de um planeamento do ordenamento florestal, bem como a não profissionalização da carreira de bombeiro. Porém, marco esta data simbólica pela problemática que se deveria ter levantado com tão grave proliferação de chamas: a afectação de recursos hídricos.
O ano de 2003 deveria ter dado início à longa e profunda revisão da gestão do referido recurso, bem como à criação de um plano de contingência no caso de uma seca extrema, à semelhança daquela que afecta a Cidade do Cabo, na África do Sul, há já 10 anos. É certo que, neste momento, tanto eu como o estimado leitor não anteveríamos uma solução para tamanha calamidade caso ela sucedesse neste momento. Posto isto, creio que a resposta estará lá fora, mais concretamente, fora do perímetro de Portugal continental.
A Região Autónoma da Madeira, há já 40 anos, lançou um concurso público internacional com vista à criação, na ilha do Porto Santo, de uma central de dessalinização da água do mar. Numa área de difícil acesso a água potável, a criação da central tornara-se a única forma de sustentar a então população de 4000 habitantes. No entanto, como é que se realiza a dessalinização da água? Ainda que existam vários métodos, o mais utilizado tem o nome de “osmose inversa”, um processo que envolve a extração de água salgada e consequente exerção de força com bombas de alta de pressão, as quais forçam a água a passar por membranas semipermeáveis que retêm as impurezas da mesma, possibilitando o seu uso para consumo humano.
Actualmente, a Central Dessalinizadora do Porto Santo produz cerca de 6.900 m3/dia de água potável para um total de 5000 habitantes, sendo a única da sua espécie a existir em território Português. Contudo, esta é uma mera amostra das potencialidades desta tecnologia e da forma como poderá suprimir potenciais secas no futuro. O Estado de Israel, com uma população total de quase 9 milhões, sustenta 55% da sua população através da dessalinização. Numa das regiões mais áridas do planeta, os desenvolvimentos tecnológicos potenciados pelo Zuckerberg Institute for Water Research permitem que Israel extraia 600 milhões de m3 de água por ano, impedindo desastres ecológicos como o que se ia sucedendo com a imparável extração do Mar da Galileia. De destacar, sem dúvida, será a central de Sorek, em Tel Aviv, que extrai 624.000 m3/dia de água do Mar Mediterrâneo, com um custo de 48 cêntimos por cada mil litros de água potável.
A necessidade de implementar esta tecnologia em Portugal começa a tornar-se, a cada ano, mais crucial. A contínua desertificação do país irá continuar a potenciar fenómenos de seca extrema, perda de biodiversidade e extinção de espécies. Aliás, negligenciar as necessidades básicas do povo a longo prazo, exceptuando quando a troco de aprovações eleitorais de quatro em quatro anos, eventualmente levará à morte de milhares de Portugueses. A questão é: será que os nossos governantes ouvirão a mensagem?