Ah! O Chico…. De volta a Lisboa.
De 7 a 10 de junho, no Coliseu de Lisboa pelas 20h30, depois de ter esgotado o Porto.
Conheci o Chico por causa do futebol.
Poucos artistas gostarão tanto de futebol como o Chico. Chico Buarque de Holanda, por extenso.
Ele anda aí pelo mundo, tocando e batendo uma bolinha com a sua equipa do Politheama. Jogámos aqui, por Lisboa, várias vezes. Nunca na mesma equipa: ele tem lá os moços dele, precisa de quando em vez de um emprestado para completar o onze, nada mais.
“Aqui na terra ‘tão jogando futebol/ Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll/ Uns dias chove, noutros dias bate sol/ Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui ‘tá preta”, canta.
Também cantou: “Quando teu coração suplicar/ Ou quando teu capricho exigir/ Largo mulher e filhos e de joelhos vou-te seguir”. E, então, a coisa ficou preta para ele. Foi de machista para cima.
Não sei se alguém reclamou algo idêntico quando ele compôs: “As jovens viúvas marcadas/ E as gestantes abandonadas/ Não fazem cenas/ Vestem-se de negro, se encolhem/ Se conformam e se recolhem/ Às suas novenas, serenas”.
Também não sei se a mulher com filhos largada pelo homem que seguiu a amante de joelhos se conformou e se encolheu. É questão de lhe perguntarem. Isto é, se verdadeiramente alguém a conhece ou se ela existe. Existe certamente. Existem tantas!
O Chico nunca foi de se encolher.
Gosta da sua pelada e disputámos algumas no velho Estádio da Luz, na Tapadinha, no campo do extraordinário Fofó, o Futebol Benfica. Ele, devagarinho, um mau perder tremendo, exigindo o passe para os golos fáceis, reclamando faltas umas atrás das outras.
Há um documentário chamado “Chico – Artista Brasileiro”.
Retrato feito do compositor, a importância que o futebol tem na sua vida e a reverência e humor com que é tratado. A certa altura, o Chico comenta uma foto de 2007, quando foi convidado por Luís Figo para jogar, no Estádio de Alvalade, um desafio entre velhas estrelas: “Na hora do cumprimento, o Zidane me olhava com uma cara de ‘quem é este senhor?, o que ele está fazendo aqui?’.”
Recordo-me bem. Estava lá, trabalhando para a Fundação Luís Figo. Mas ele não era o único artista por entre os artistas do futebol. Havia o Eros Ramazzotti, o Rui Veloso, o João Gil.
O João joga bem. É maestro dos pés à cabeça.
O ídolo Pagão Alvalade, noite fantástica, estádio bem composto. O Chico reclamou pouco. Preferiu calar-se e avançar na vaga geometria…
A vida de Chico nunca funcionou sem futebol. Em maio de 1969 estava igualmente em Lisboa.
Foi ao Estádio da Luz e tirou fotos com Eusébio e Coluna.
Vestiu a camisola do Benfica e trocou umas bolas com eles. Ainda não tinha trauteado “Se eu fosse o Rei/ Para tirar efeito igual/ Ao jogador/ Qual/ Compositor/ Para aplicar uma firula exata/ Que pintor…”, dedicado a Pagão, seu ídolo de menino.
Pagão: Paulo César de Araújo, avançado-centro do Santos e do São Paulo. “Ele era demais!”, babava-se o Chico. “Tinha uma leveza admirável. Pegava a bola no ar e, com a parte de fora do pé, chapelava o adversário.”
No seu Politheama, Chico Buarque usa a camisola número 9: a de Pagão, claro!
Depois fica lá na frente, meio preguiçoso, esperando o passe arredondado para o golo fácil, fácil.
O ídolo pode ter sido Pagão, mas Chico é do Fluminense. E anti-Flamengo. Quando estava exilado em Itália, vivendo em Roma, nesse ano em que veio ver Eusébio e Coluna a Lisboa, escreveu um texto que dizia: “Ser antiflamenguista é ostentar no meio da cara um diploma de ressentido. É detestar Mangueira, o Carnaval e tudo o que cheire a popular e unânime. O neném desmamado, o menino asmático e o homem traído, esses terão sempre o direito de gritar contra o Flamengo. Por isso mesmo é muito fácil ser rubro-negro. Fácil demais. É como ser a favor do sol no meio do deserto, ou comemorar o Dia da Árvore no coração da Amazónia. Mas torcer pelo Fluminense, modéstia à parte, requer outros talentos. Precisa saber dançar sem batucada. O tricolor chora e ri sem ninguém por perto.”
Chico Buarque de Holanda tinha 25 anos. Vivia longe de casa sem poder voltar. “Eram cinco horas da madrugada e ninguém se manifestava nas redondezas do Vaticano. Ignoravam o campeão carioca num silêncio canónico, donde pude constatar que, naquele exato momento, em assuntos de futebol, eu era o homem mais feliz de Roma.” Ainda não tinha fundado o Politheama, o Clube-que-Nunca-Perde.
Uma vez, numa digressão ao Ceará, a equipa de Chico foi goleada por 0-10. À noite, no concerto, ele deu os parabéns aos adversários, sentados na plateia: “Jogaram muito bem e foi muito difícil derrotar-vos…”
Para lá da imaginação, ele joga a tabelinha infinita: “Para Mané para Didi para Mané Mané para Didi para Mané para Didi para Pagão para Pelé e Canhoteiro…”
Houve um tempo em que vinha a Lisboa e jogávamos à bola. Ele nunca perde! Nem no campo nem no palco…