Kanye West já está a ganhar batalha. ‘Ye’ está a receber as críticas mais adversas e os elogios mais moderadas, se recordarmos os louros por hábito distribuídos a cada novo álbum, mas não se fala de muito mais. Pelo menos, no mundo da pop. E se há alguém que precisa de atenção é ele. Quase sempre, essa necessidade é interpretada como um ato egoísta de vaidade e a resposta de West é quase sempre repetida. Ele quer mudar o mundo e o tempo dá-lhe razão.
Se houve alguém responsável por democratizar e credibilizar o hip-hop, humanizá-lo, torná-lo sedutor e fonte de juventude foi ele. Ao ver além das ruas, da comunidade, da linguagem violenta e misógina ou dos êxitos sazonais, Kanye West elevou o hip-hop à condição pop em todos os cantos. No compromisso com o público médio – aquele que cria fenómenos e está para a música como o centrão elege políticos –, com a indústria (musical e tecnológica) mas também com aliados essenciais como a moda e, no caso de West, com a arte.
“There’s leaders and there’s followers”, vincava em “Niggas In Paris”. Não restam dúvidas sobre de que lado está, assim como nunca pugnou pelo consenso. “Ye”, o mini-álbum de vinte e um minutos – justificados por Pusha T (para quem Kanye West produziu “Daytona”, editado uma semana antes) por ser o tempo necessário para cativar o ouvinte – chega no pior momento de opinião pública sobre o autor.
O prólogo promocional não podia ser mais acidentado. West defendeu que “quatrocentos anos de escravatura foram uma escolha” e bateu-se pela necessidade de deixar a história para trás e combater pelo presente, reafirmou o apoio a Donald Trump, para revolta generalizada da comunidade negra, e não só, envolveu-se em debates públicos no Twitter com o amigo John Legend e voltou a alimentar montanhas de carateres sobre o estado mental, a sanidade, o consumo de opiáceos e até a necessidade de reavaliação da obra à luz de comentários e declarações públicas.
Ninguém como ele é um saco de boxe tão apetecível. Do superego à fragilidade extrema, há uma personalidade sem par que como nenhuma outra coloca a questão: deve a música ser escutada como um ato isolado e dissociado de contexto ou, na era do culto da personalidade, um tweet pode falar mais alto do que uma canção e a obra é apenas uma parte integrante da persona? Mais: haverá uma resposta definitiva para estas questões? Provavelmente não.
Questões, dúvidas e dilemas quando o império de Hollywood se desmorona todas as semanas à medida que os escândalos saem debaixo das pedras e os intocáveis caem que nem tordos aos olhos da opinião pública. Kanye West não pretende ser unânime como Kendrick Lamar mas quer continuar a mudar o mundo. E já depois de ter apresentado “Ye” ao (seu) mundo em convívio privado num rancho do Wyoming – já agora, os proprietários não querem receber mais festas de rappers por terem considerado o evento demasiado confuso e sujeito a constantes alterações de última hora, a que a equipa de Kanye West respondeu com um “ele faz o que bem lhe apetecer” – continua a retocar o álbum como uma obra em constante evolução, e sem término decidido. Tal como já havia feito com “The Life of Pablo”, que meses depois continuava em atualização.
Para já, os números dão razão a Kanye West. “Ye” é o álbum número um no planeta em streaming e vendas. É assunto de debate. Objeto de estudo. Gera interrogações. E alguns elogios, ainda assim. Deve esta arte ser de marés ou rimar contra a corrente?