Artigo originalmente publicado a 06/12/2011
Ele é alto. Realmente alto. Chega de camisa azul e calças de ganga azuis. Botas de camurça clara ao estilo cowboy da cidade. Por baixo da camisa, a típica T-shirt que os americanos usam quando vestem alguma peça de abotoar. Mangas arregaçadas. Cara de quem se levantou há pouco. Nos antebraços, duas tatuagens. As que faltam, uma feita na Malásia durante a gravação de “Não Aceitamos Reservas” e outra consumada no programa Miami Ink, escondem-se nos ombros cobertos. Anthony Bourdain, o chef-coolmotherfucker-in-charge do restaurante nova-iorquino Les Halles e apresentador do programa “Não Aceitamos Reservas”, está em Lisboa e prepara-se para falar aos jornalistas.
É a terceira vez que vem filmar a Portugal, depois de passar pelos Açores e pelo Porto. Chegou há uma semana e parte hoje para o Kansas, onde já sabe que vai estar num barbecue show com a banda The Black Keys. Segue depois para a Líbia. Confessa que ainda não tem prática a fazer e desfazer malas, mas que é exímio na arte de passar pela segurança sem apitar.
Para Bourdain, a essência do programa, diríamos que da sua vida também, será passear, comer e ouvir música. Em Lisboa foi acompanhado pelo duo Dead Combo à conserveira Sol e Pesca, na zona do Cais do Sodré, onde comeu muxama de atum. Uns dias mais tarde foi vê-los ao vivo no Tivoli. “É o exemplo de que nos preparamos bem e escolhemos as pessoas certas” diz. E continua: “Não estamos à procura do icónico. O mais importante é saber onde é que as pessoas comem às duas da manhã depois de uma noite de copos.”
Amante da cozinha tradicional, estremece quando lhe dizem que o McDonald’s é a representação da comida americana. Habituado desde cedo a respeitar o que tem no prato, Anthony Bourdain lembra que toda a comida é digna desde que preparada com amor, e até a bifana oleosa que comeu com vinho barato merece o céu. E o courato e o chouriço e a linguiça. Previsíveis, começam as questões sobre a sua paixão pela anatomia suína.
Quando esteve no Porto, Bourdain assistiu a uma matança do porco. Ouviu falar dela como se da Super Bowl, do Campeonato do Mundo de Futebol e da reunião dos Beatles se tratasse. Era a primeira vez que via um animal ser morto. Até então agia como se fosse Michael Corleone – pegava no telefone e encomendava o serviço. Depois de anos a praguejar contra os vegetarianos, sentiu algum pequeno, mas passageiro, remorso. Desta vez não foi preciso olhar a comida nos olhos antes de a provar. Sabe que matou alguns porcos durante a sua estadia. Acha até que eles já sabem quando chega a algum sítio.
Convidou António Lobo Antunes para participar no programa por ser um admirador dos seus livros “magníficos e intemporais” e que nunca pensou que ele aceitasse. Mas aceitou, e foram os dois à Tasca do Chico, o mais previsível dos sítios a que poderia ter ido, ouvir fado. Conta que na Brasserie Les Halles partilhavam o cargo de subchefe um português e um francês, e cada vez que o francês tirava uma semana de férias o balcão do restaurante se enchia de Super Bock. Aprecia essa relação dos portugueses com o passado e com a nostalgia.
Fascinado, revela que nunca tinha comido camarão tão bom e cozinhado de forma tão simples. Foi na marisqueira Ramiro, na zona do Intendente, que Bourdain diz ter tido uma experiência de tirar o fôlego. Já tinha comido polvo com batatas na véspera e conhecido alguns chefes que misturam o tradicional com aquilo que designa por futuro. Afirma que o contacto com os outros chefes é sempre positivo. “Somos como a máfia, se somos chefes somos automaticamente recebidos por outros chefes.” Quanto a pratos portugueses, revela que já se aventurou a preparar um guisado de lulas. Se é bom? Ele acha que sim, mas qualquer avó portuguesa lhe dirá o contrário.
O programa que foi filmado em Portugal vai passar no Travel Channel em Abril de 2012.
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