A descoberta foi apresentada no encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO na sigla em inglês) e está a ser motivo de entusiasmo no seio da comunidade científica: a maioria das mulheres com um tipo comum de cancro da mama em estágio inicial não precisa de quimioterapia – um tratamento especialmente temido pelos efeitos secundários que provoca.
A conclusão é de um grupo de médicos norte-americanos que quis perceber em que medida é que a quimioterapia é a resposta adequada para o tratamento de mulheres com cancro da mama em estágio inicial. Para tal, os investigadores iniciaram, em 2006, um ensaio clínico no qual seguiram 10 253 mulheres diagnosticadas com um tipo comum de cancro da mama. As mulheres, com idades compreendidas entre os 18 e os 75 anos, foram seguidas durante cerca de sete anos. Todas foram submetidas a cirurgia e radioterapia. Depois, aleatoriamente, foi-lhes prescrito tratamento hormonal ou tratamento hormonal e quimioterapia.
O procedimento foi simples: os médicos retiraram amostras do tumor de cada mulher e procederam a um teste genético – o Oncotype DX Breast Cancer Assay, desenvolvido em 2004 e que permite analisar mutações em 21 genes. O objetivo era perceber, através desses mesmos genes – conhecidos por estarem associados à reincidência do cancro da mama – os casos em que a doença era mais ou menos agressiva.
Os tumores foram depois associados a uma pontuação, numa escala de 0 a 100. A equipa concluiu que as mulheres que obtiveram pontuações altas – acima de 26 – viriam mais provavelmente a beneficiar de um tratamento de quimioterapia. Já aquelas que obtiveram uma pontuação entre 0 e 10, segundo os médicos, dificilmente retirariam vantagens da quimioterapia que justificassem os efeitos secundários que lhe estão associados – riscos para o sistema cardíaco, nervoso e imunitário e, claro, outros mais visíveis, como queda de cabelo ou enjoos.
Mas a principal vantagem deste estudo, contudo, é que veio dar resposta a uma pergunta que os médicos não conseguiam solucionar: a quimioterapia pode ou não trazer benefícios às mulheres com resultados intermédios (entre 11 e 25 pontos) – cerca 70% das participantes do estudo?
Joseph A. Sparano, um dos médicos responsáveis pelo estudo, recorda que «muitas doentes têm vindo a ser tratadas com quimioterapia porque, no ano 2000, o Instituto Nacional do Cancro dos EUA a recomendou para a maioria, até mesmo nos casos em que a doença não se tinha espalhado para os gânglios linfáticos, baseando-se em estudos que mostravam que a quimio podia prevenir o cancro de reincidir noutra parte do corpo e tornar-se incurável», disse ao The New York Times. Desde então, surgiram estudos que sugeriam que as mulheres com resultados intermédios, afinal, não retiravam benefícios de um tratamento com quimioterapia. A partir daí, perante as evidências científicas, a comunidade médica tornou-se mais cautelosa na prescrição do tratamento, mas continuavam a faltar dados.
Seja como for, os investigadores fazem uma ressalva: as vantagens da quimio variam consoante a combinação da pontuação e da idade da mulher – e para mulheres com 50 anos ou menos, com uma pontuação entre 16 e 25, os resultados mostram que existem alguns benefícios em fazer tratamento com quimioterapia.
Tratamento continua a ser prescrito na maioria dos casos
Em Portugal, seis mil mulheres são diagnosticadas com cancro da mama todos os anos. Dessas, mais de 75% fazem quimioterapia. Como se reage por cá ao estudo que tanta tinta fez correr?
Em primeiro lugar, o teste «não é exatamente uma novidade». Mais: «já há que não fazer quimioterapias nas doentes». Quem o afirma é Nuno Miranda, diretor do Programa Nacional de Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde, para quem a investigação agora publicada é «uma comprovação de conhecimentos para os quais artigos que têm vindo a sair nos últimos dois anos já apontavam».
O teste que tem como alvo 21 genes é realizado em Portugal, tanto no privado como no público, garante o médico. «Basta os hospitais pedirem e tal como esse há outros», esclarece Nuno Miranda.
A tendência, permitida por testes genéticos como o utilizado no ensaio clínico em causa, é que médicos e hospitais sejam «cada vez mais seletivos» ao desenhar o tratamento dos doentes. É a chamada personalização dos tratamentos. «É o nosso caminho há muitos anos: quer-se um tratamento cada vez mais personalizado», garante o responsável, «reservando a quimioterapia para os doentes que necessitam mesmo dela».
Já Joaquim Abreu de Sousa, oncologista do IPO, alerta para o perigo das «generalizações» feitas a partir deste tipo de investigações. Para o médico, «é sempre preciso ter cuidado com estes estudos. Até porque a empresa que pagou o estudo é a que comercializa o teste genético que foi usado».
Abreu de Sousa fala por experiência própria, até porque pode haver surpresas. Nos casos em que as doentes apresentam risco intermédio de reincidência, a equipa do IPO recorre ao teste genético PAM50 – feito com 50 genes – para avaliar a necessidade de quimioterapia. «Já realizámos o teste em mais de 140 doentes. Aquilo que esperávamos era que reduzíssemos o número de doentes para quimioterapia, e isso de facto aconteceu: tivemos uma redução de 30%. Essas doentes, que em teoria iriam ser propostas para quimio, fizeram só hormonoterapia. Só que aconteceu uma outra coisa: é que 27% das doentes que em princípio só iam fazer hormonoterapia, depois do teste genético passaram a ter indicação para fazer quimio», conta o oncologista.
Imunoterapia: um tratamento de futuro?
A discussão em torno da necessidade de quimioterapia não foi a única a ser alvo de notícias nos últimos dias. Um outro artigo, publicado na Nature Medicine, relatou como uma norte-americana de 49 anos ficou curada de um cancro da mama graças a um tratamento experimental de imunoterapia, a terapêutica que tem vindo a ganhar força nos últimos anos e que assenta na ideia de que é possível levar o sistema imunitário do doente a atacar o próprio tumor, travando assim a sua progressão. Neste caso, a substância administrada é feit a partir das células do próprio doente.
A mulher, Judy Perkins, estava já em fase terminal – tinham-lhe dado três meses de vida – e apresentava metástases noutros órgãos, quando os médicos lhe propuseram participar num ensaio clínico para experimentar um tratamento em desenvolvimento. Ao fim de um ano, os tumores desapareceram e Perkins voltou à vida normal. É a única doente em estado terminal a ter-se curado com recurso a este tratamento.
Mas como deve este caso ser olhado? É a imunoterapia um tratamento de futuro em Portugal? Entre os médicos contactados pelo SOL impera o ceticismo. «Não é uma hipótese nem em Portugal, nem em lado nenhum», acredita o diretor do Programa Nacional de Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde, Nuno Miranda. «Foi um ensaio clínico realizado nos EUA a 320 doentes. Desses, nós sabemos apenas o resultado de uma doente. Não sabemos os que aconteceu aos outros 319. Por isso, não sabemos se o acaso desempenhou um papel no caso da mulher que se curou ou se é algo que acontecerá com mais doentes. É uma terapêutica ainda muito experimental. Além disso, é muito específica, é feita para cada doente», explica Miranda, também oncologista no IPO de Lisboa.
O oncologista do IPO do Porto Joaquim Abreu de Sousa também é cauteloso, apesar de acreditar que a imunoterapia possa vir a ser uma resposta no futuro, mas não para todos os tipos de cancro da mama. «Nós sabemos cada vez mais, com o estudo molecular dos tumores, que a heterogeneidade genética e imunológica, a carga mutacional dos tumores, etc., é muito variável. Seguramente haverá alguns tipos de tumores que, no futuro, venham a ser tratados eficazmente com imunoterapia, mas acho que serão muito poucos. Não acredito que isso seja a solução para todos os tumores da mama, até porque há muitos tipos», defende.