Na noite de 12 de junho, véspera de Santo António, a Avenida da Liberdade enche-se de música e de brilhos: as marchas dão uma nova vida à cidade, que espera um ano inteiro para ver os vestidos mais exuberantes, o cavalinho mais animado e os cânticos mais originais. Mas, afinal, como surgiram as marchas populares?
Se atualmente a capital é vista como uma cidade de oportunidades e de uma melhor qualidade de vida, o mesmo acontecia no início do século XX. Pessoas, dos vários pontos do país, juntavam-se nos vários bairros lisboetas e assim nasciam pequenos grupos que tinham um objetivo comum: a diversão.
Os primeiros registos falam das marchas ao filambó, uma adaptação das francesas ‘marches au flambeaux’, em que os grupos criavam cantigas para competir uns com os outros e deslocavam-se com tochas pelas ruas da cidade. Mas foi em 1932 que o chamado ‘pai das marchas populares’, José Leitão de Barros, com o objetivo de chamar a atenção dos lisboetas e reanimar o Parque Mayer, anunciou o primeiro concurso de marchas populares.
Alto da Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique foram os primeiros ranchos, como eram chamados, que participaram numa produção a cargo do Parque Mayer e, apesar de faltar o sotaque alfacinha como tema principal, a competição estava presente – Campo de Ourique foi o vencedor da primeira edição e levava trajes minhotos.
Mas Leitão de Barros queria mais: o objetivo era aumentar o público e tornar as marchas cada vez mais lisboetas. Por isso, o ‘criador’ percorreu as coletividades de forma a descobrir as suas particularidades. Segundo a organização das Festas de Lisboa, que está a cargo da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), em 1934, desfilaram 12 bairros e 800 marchantes, desde o Terreiro do Paço até ao Parque Eduardo VII – cada um com a sua marcha, traje, música, e coreografia inspirada num costume ou característica do bairro. Trezentas mil pessoas assistiram ao cortejo.
No ano seguinte, além de serem implementadas regras como o número de marchantes, músicos e acompanhantes, cantou-se pela primeira vez uma composição comum, da autoria de Raul Ferrão e Norberto de Araújo, a ‘Grande Marcha de Lisboa Lá vai Lisboa’, explica a mesma fonte.
Com a II Guerra Mundial e, depois do êxito do ano de 1935, seguiu-se um período de interrupção, à exceção do ano de 1940 – em que houve a comemoração dos cem anos da Independência e 30 da República – e de 1947, data em que se celebrou o 8º Centenário da Conquista aos Mouros.
A partir dos anos 50, o prestígio associado às marchas aumentou, uma vez que começaram a ser assistidas por dirigentes do Estado, mas também apadrinhadas por figuras públicas. Foi nessa década que se passou a realizar o percurso que conhecemos até hoje, do Marquês de Pombal aos Restauradores. Já a década de 60 ficou marcada por exibições em recinto fechado, mas também pelo aparecimento dos carros alegóricos e das mascotes.
O declínio das marchas populares começou nos anos 70 – após o 25 de Abril, estas comemorações chegaram mesmo a ser extintas por serem associadas ao Estado Novo. Nos anos 80, voltaram ‘em força’, e hoje continuam a ser um símbolo dos Santos Populares.
E se está aberta a época da sardinha no pão e do manjerico, também os gritos de “A marcha é linda” não ficam de parte. A competição já começou no Altice Arena, mas será na Avenida da Liberdade que ficaremos a conhecer a marcha vencedora de 2018.
Este ano irão a concurso 23 marchas, excecionalmente, depois dos Grupos do Alto da Pina, Santa Engrácia e Benfica reclamarem a sua participação no concurso. Mais do que a vontade de vencer e de representar o seu bairro, as marchas deste ano têm mais uma coisa em comum: o tema ‘Vasco é Saudade’, vencedor do Concurso Grande Marcha de Lisboa 2018, que homenageia os 120 anos do nascimento de Vasco Santana. Mas atenção: nada consegue acabar com o típico ‘despique bairrista’.
*Editada por Joana Marques Alves