Sucedeu-se, uma vez mais, um ataque terrorista no Velho Continente, desta vez, em Liège, na Bélgica. É só mais um, entre os infindáveis que se têm vindo a suceder desde o ano de 2015.
O processo torna-se cíclico, bem como costumeiro, tendo o terror que assolou Liège apenas sido uma maior comprovação daquilo que começa a ser o nosso novo “dia-a-dia”.
O leitor mais atento, bem como o entusiasta adepto da respectiva rede social, em tempos denotaria uma achega a tão trágico evento: um período de luto. Vislumbrar-se-ia a iluminação de monumentos nacionais, bem como uma utópica manifestação pública em defesa dos ideais humanistas que tanto benzem a dita Europa. No entanto, os “Je Suis Charlie”, bem como os “I stand for Paris” têm vindo a desaparecer, em função d eum terrível e trágico “sintoma de habituação”.
Quando o evento era esporádico, o olhar humano observava com afronta e temor o desenlace de tais eventos no espaço europeu. Porém, o mesmo olhar de indiferença com que muitas vezes se observou um atentado no Médio Oriente, hoje se transpõe para o que se sucede às nossas portas.
É o comum, é o familiar, é o hábito. É a aceitação de que algo já é corrente e que o indivíduo nada pode fazer, pelo que será preferível o mesmo seguir a sua vida. O terror será apenas mais uma moeda corrente a que nos teremos que sujeitar.
Porém, cabe questionar: como é que chegámos a este ponto?
De acordo com o National Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START), da Universidade de Maryland, desde Janeiro de 1970 até ao final de 2016, o terrorismo matou cerca de 11,288 pessoas num total de 18,811 ataques realizados em solo Europeu. No entanto, os mesmos dados que apontam para um decréscimo nos ataques, igualmente denotam uma “exteriorização” e menor sofisticação dos mesmos.
No período que compreende a década de 70 até meados da década de 90, a grande maioria dos ataques em solo europeu tomou a forma de atentados bombistas e de assassinatos, tendo os mesmos sido perpetrados por grupos organizados que visavam objectivos tão diversos desde a separação ou integração dos respectivos territórios, até uma viragem política à extrema Esquerda ou Direita dos Governos nacionais.
Esta onda de terror fustigou países como Espanha, o Reino Unido, Itália e Irlanda, ainda que muitos destes eventos sejam hoje esquecidos por força dos dramas que assolam presentemente este nosso continente.
Graças à maior segurança aeroportuária, no seguimento dos ataques do 11 de Setembro, acrescido de um cerco mundial ao tráfico de armamento e explosivos, a margem de manobra para a realização de ataques em larga escala viu-se drasticamente reduzida, razão pelo qual os mais recentes ataques terroristas tomarem, na sua grande maioria, a forma de ataques com recurso a armas brancas, bem como a veículos ligeiros e pesados.
Nova doutrinação?
Fruto do que é hoje apelidada como a 4ª Revolução Industrial, a informação propaga-se a uma velocidade nunca antes testemunhada na História da Humanidade. O evento decorrido em parte incerta rapidamente transpõe meio mundo para a palma do fiel leitor.
Todavia, esta mesma benesse ou talvez, maldição, esconde um lado que inadvertidamente negligenciamos. A mesma facilidade com que o comum indivíduo se torna mais culto e instruído, igualmente possibilita a radicalização daquele mais inconformado com a sociedade.
Quantos homens instruídos, ou até mesmo adolescentes com uma vida familiar estável se afeiçoaram à ideia de uma missão superior a si? Osama Bin Laden era formado em Engenharia Civil, antes de se ter radicalizado por via da literatura e interpretação de textos religiosos. Samra Kesinovic e Sabina Selimovic, duas adolescentes de nacionalidade Austríaca, tornaram-se “poster girls” para o Daesh aquando da sua chegada à Síria em 2014, após terem sido doutrinadas através da Internet.
A grande maioria da radicalização, hoje em dia, é realizada através de meios eletrónicos. O Daesh, por via de múltiplas redes sociais, disseminou pelo Ocidente uma quantidade infindável de textos líricos, épicas canções e até mesmo vídeos de recrutamento dignos de uma produção de Hollywood. O conteúdo da mensagem alterava-se, mas o enfoque mantinha-se constante. Apelava-se a um descontentamento generalizado, independentemente da faixa etária, nacionalidade ou capacidade financeira.
O Huffington Post, num artigo intitulado “Who Joins ISIS and Why?”, expôs como o mediatismo das mensagens visavam atingir pessoas que se sentiam descontentes com o seu dia-a-dia, frustradas com as instituições sociais, desempregadas ou que apenas procurassem alguma aventura.
Farhad Khosrokhavar, sociólogo Franco-Iraniano, estudou este fenómeno de radicalização na juventude francesa, sendo que, numa entrevista realizada a 16 de Março de 2016, descrevia como dos 5000 Ocidentais que se juntaram ao auto-proclamado Estado Islâmico, apenas cerca de 600-700 eram do sexo feminino. Contudo, em França, a realidade era substancialmente diferente, na medida em que cerca de metade dos jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos que se filiavam na organização, eram mulheres. Na sua análise, o que o sociólogo veio a concluir é que as mesmas entendiam esta acção como sendo um rito de passagem, uma forma de serem temidas e/ou respeitadas por aqueles que deixavam para trás. Por outras palavras, não se tratava de questões ideológicas ou religiosas, mas sim de uma auto-afirmação enquanto indivíduo.
Postos estes exemplos, quem intente fazer um estudo aprofundado à propaganda do ISIS, não encontrará alguma distinção formal entre esta e aquela que entidades terroristas como o IRA, a ETA ou as Brigadas Vermelhas disseminaram em décadas passadas. O terrorismo perpetrado pelo radicalismo Islâmico é-nos estranho na sua génese por força do distanciamento geográfico, histórico e ideológico de um continente que, na sua grande maioria, possui uma herança Judaico-Cristã há quase 1000 anos. A criação das redes sociais apenas intensificou a rapidez de um fenómeno que, em tempos, teria demorado anos a propagar-se.
Para que tenham uma noção da quantidade de informação que hoje se propaga:
No Facebook, a cada 60 segundos, são publicados 510.000 comentários, 293.000 estados são actualizados e 136.000 fotografias são carregadas. Para mais, são criados 6 novos perfis a cada segundo, sendo que estão estimados existirem cerca de 81 milhões de perfis falsos.
No Instagram, 500 milhões de utilizadores usam a rede social por dia sendo que, em média são partilhadas 80 milhões de fotografias durante o mesmo período de tempo;
No 4chan, uma das redes sociais com maior variedade de conteúdo obscuro, existem cerca de 22 milhões de utilizadores por mês. Em média, são realizadas um milhão de publicações por dia e são realizadas 703 milhões de visualizações de páginas.
Esta quantidade estonteante de dados impossibilita uma filtragem adequada sobre conteúdos potencialmente incitadores ao terrorismo, evidenciando o quão árdua se torna a missão de muitos serviços de inteligência e informação. É a benesse e a maldição da era digital.