O frágil verniz da coesão europeia em torno da imigração estalou esta semana. Entre a recusa de acolher nos seus portos o navio humanitário Aquarius, passando pela troca de acusações entre França e Itália, até às divisões no governo alemão, não faltaram conflitos.
Tudo começou quando os governos italiano e maltês se recusaram a acolher nos seus portos o navio humanitário Aquarius, com 629 migrantes a bordo, tendo a Espanha oferecer-se para os acolher. «Salvar vidas é um dever, transformar Itália num enorme campo de concentração, não», disse Matteo Salvini, ministro do Interior italiano e líder da Liga, partido de extrema-direita para justificar a decisão de fechar os portos italianos.
Entre as reações à decisão italiana, destacou-se a do Presidente francês, Emmanuel Macron, que acusou o Governo italiano de «cinismo e irresponsabilidade». A resposta ao chefe de Estado francês não tardou, com Salvini a acusar Macron de fingir solidariedade e de «hipocrisia», por se ter disponibilizado a receber o navio num porto corso, quando a própria França negou a entrada a dez mil migrantes no seu território, além de apenas ter recebido 640 dos 9816 migrantes com que se tinha comprometido a nível europeu.
Por as palavras, muitas vezes, não bastarem no confronto político, o Governo italiano cancelou uma reunião entre os ministros da Economia dos dois países e ameaçou cancelar a reunião entre Macron e Giuseppe Conte, primeiro-ministro do Governo de coligação entre Movimento 5 Estrelas e a Liga. Perante o estalar do verniz, Macron lá pediu desculpas, depois de uma breve conversa por telefone com Conte, dizendo que nunca teve como intenção ofender Roma. Macron e Conte encontraram-se esta sexta-feira para discutirem as divergências, mas também o futuro da política europeia de migração.
Entretanto, o Aquarius, escoltado por dois navios da marinha italiana, deverá chegar ao porto de Valência, Espanha, este sábado. Na quinta-feira, o navio humanitário foi obrigado a alterar a sua rota por condições marítimas adversas, aumentando a distância de navegação até ao porto de abrigo. Com a situação a bordo a degradar-se, com falta de água e alimentos, mas também de espaço, o Aquarius viu-se obrigado a repartir os 629 migrantes pelos dois navios italianos que o acompanham. Uma decisão, explicou no Twitter a SOS Mediterranée, organização não governamental responsável pelo navio, tomada para proteger o navio «do mau tempo», mas também as «pessoas a bordo, que estão exaustas, a sofrer, em choque e doentes».
Choque no governo alemão
Três meses depois de tomar posse e das negociações mais longas da História da Alemanha para a formação de Governo, a chanceler Angela Merkel confrontou-se esta semana com oposições no seu próprio governo à sua política de imigração.
Horst Seehofer, ministro do Interior alemão, líder do CSU, partido-irmão bávaro da CDU, não desperdiçou a oportunidade para defender uma nova política de imigração no país. Uma política, explicou, «dos que estão disponíveis para arranjar soluções para o problema da imigração ilegal», referindo-se a uma nova aliança entre a Alemanha, Áustria e Itália para reformar o sistema europeu de asilo. O próprio anúncio apanhou a chanceler desprevenida e não foi feito naquele momento por acaso. Momentos antes, Seehofer e o primeiro-ministro austríaco, Sebastian Kurz, tinham-se reunido para discutir precisamente a imigração.
Merkel reagiu rapidamente, pedindo ao seu ministro para aguardar pela cimeira europeia de 28 e 29 de junho, que discutirá a política europeia de imigração, antes de fazer mais movimentações políticas. Seehofer, esse, manteve-se inflexível e argumentou, segundo avançou a imprensa alemã, que já se esperou demasiado por uma estratégia europeia. Merkel, por seu lado, recusou avançar unilateralmente sem os parceiros europeus, afirmando que seria ilegal e minaria os esforços europeus para uma estratégia coletiva.
A Baviera terá eleições estaduais em outubro e o líder bávaro receia que o seu partido venha a ser ofuscado pelo Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita e com um forte discurso anti-imigração, que conseguiu, em 2017 e, pela primeira vez desde 1945, entrar no Bundestag, com 92 deputados, afirmando-se como a terceira força política no país e líder da oposição.
Parlamento condena recusa de Itália e Malta
O Parlamento português condenou a conduta dos Governos italiano e maltês pela recusa do desembarque dos 629 migrantes a bordo do Aquarius, manifestando igualmente o seu pesar pela morte de 650 pessoas no Mediterrâneo apenas este ano. Estas posições constam de três votos, dois de condenação apresentados pelo PSD e pelo BE, e um de pesar do PS, que foram aprovados na sexta-feira pela Assembleia da República.
No voto de condenação, os sociais-democratas felicitam o governo espanhol pela decisão de aceitar receber o navio. «Felizmente o governo espanhol reagiu rapidamente e aceitou acolher estes 629 requerentes de asilo», pode ler-se no documento.
Rubina Berardo, deputada do PSD, afirmou ao SOL que «se não tivesse havido resposta nenhuma por parte de Espanha, acho que teria havido um consenso em Portugal para essa matéria». Contudo, a deputada defendeu que «precisamos de fortalecer a própria política migratória e os mecanismos comunitários, não só para ser mais ágil a responder aos pedidos de asilo, mas também, quando é o caso, proceder às necessárias repatriações também».
Sobre os refugiados recebidos em Portugal, Rubina Berardo indicou que «têm ficado aquém dos valores que foram falados por este Governo e pelo anterior».