H á muito tempo, numa noite com amigos, quase numa outra vida, escrevemos um papel com as nossas previsões de como seria o futuro de cada um de nós por volta desta altura em que nos encontramos hoje. Felizmente quase todas falharam redondamente – é bom a vida ser imprevisível, quando é para melhor, claro – mas acima de tudo estávamos longe de imaginar que quando crescêssemos o tempo ia começar a passar tão depressa e que aquelas conversas pela noite fora se tornariam raras.
Recordo muitas vezes com saudade os anos de liceu em que o tempo era infinito. Passávamos os dias com os amigos, regressávamos a casa com eles, falávamos ao telefone quando chegávamos e no dia seguinte estávamos juntos outra vez. Conseguíamos ter conversas longas, com princípio meio e fim, lembrávamo-nos de todas as palavras que queríamos dizer e só sentíamos pressa quando já estávamos bastante atrasados para alguma coisa. A seguir a esses tempos para a maioria das pessoas vêm os da faculdade, do trabalho e o casamento. O percurso vai sendo percorrido, apesar do crescendo de responsabilidades, construções e limitações, com bastante espaço para conviver.
O caso muda realmente de figura na mais especial e derradeira aquisição: os filhos. Esses novos seres passam a ocupar todo o tempo que restava e ainda mais algum que possam usurpar.
Quando nascem são irresistíveis e os pais dedicam-se-lhes inteiramente. Como ainda são muito pequenos e vulneráveis, é difícil marcar presença em festas e encontros e os próprios pais estão absorvidos e embevecidos com a sua cria. À medida que os filhos vão crescendo a exigência é cada vez maior, a família tem também pouco tempo para estar junta, entre trabalho e tarefas, e vai-se adaptando ao horário das crianças.
Em grande parte as redes sociais e os telemóveis acabam por dar a ilusão de colmatar a falta de convívio com os amigos. No fundo estão juntos diariamente e a par dos acontecimentos da vida uns dos outros. Mas não é a mesma coisa.
Finalmente os encontros voltam e começam a contemplar também os mais novos. É a família de amigos que cresce. Os jantares transformam-se em almoços ou lanches ao fim-de-semana por causa das sestas e da escola, geralmente são em casa de alguém ou num jardim para todos estarem mais à vontade, os mais pequenos divertem-se como nós nos divertíamos em crianças, enquanto os mais velhos não conseguem dizer uma frase até ao fim sem serem interrompidos uma centena de vezes, conversam sem desviar a atenção das mil acrobacias para que são solicitados, estão sempre de olho para evitar alguma desgraça ao mesmo tempo que acalmam um bebé, dão de comer a uma criança ou as duas coisas em simultâneo.
Além destes bons encontros que reúnem as duas gerações e nos dão conta do tempo a passar, há sempre o desejo de um bocado bem passado com inteira disponibilidade para os amigos. Mas curiosamente, quando isso acontece, não se fala de outra coisa se não dos filhos. Mais: chega a ser como se eles ali estivessem através das peripécias, fotografias e filmes que se partilham. A verdade é que, para o bem e para o mal, jamais voltaremos a ser quem éramos antes de nos tornarmos pais. Talvez daqui a uns anos voltemos a ter tempo, mas aí já seremos outros.