"Agora, vamos tocar uma música triste. É a última. Depois, vão todos à casa de banho", diz James Murphy seguido de um lamento coletivo.
"Vá lá, já todos foram a concertos. A seguir, voltamos para mais canções". E a plateia serena enquanto sonha com uma cerveja
O estatuto unânime e global destes LCD Soundsystem pouco se parece com a banda emergente que transformou um DJ set programado de James Murphy em Paredes de Coura num concerto de corpo inteiro no longínquo 2004, ou com aquela que, no fervor do álbum de estreia, esgotou duas pistas do Lux (e uma Casa da Música) no ano seguinte.
O mundo mudou e o impacto dos LCD também mas nunca deixaram de ser um grupo de amigos. Quando a brincadeira ficou demasiado séria, o pousio foi o remédio.
Em 2011, na derradeira digressão, o concerto pós-Pearl Jam do NOS Alive ficou-se pela metade. 50 apressados minutos de uma banda com pressa de apanhar o avião e fugir daquele mundo
E agora que estão longe do pico criativo – o palco confirma "American Dream" como um misto de auto-recriações ("Tonite"), lados B dos Joy Division ("How Do You Sleep") e banakidades ("Call The Police") mas são meros interstícios de uma consagração geracional. E de uma festa coletiva.
Estes LCD de James Murphy já não se querem vingar da América dos anos 90. Já não querem mostrar ao mundo que os Roxy Music são a banda mais charmosa da eternidade. São apenas seres humanos que saem à rua para beber café e passear o cão a divertir-se em palco.
Atrás de Gavin Russom, um rapaz (seria o filho mais velho de James Murphy) observa a máquina por dentro. Em que pensaria? Que um dia gostava de ser como os "pais"? Na morte de XXXtentacion? Que preferia estar a ver os Migos?
A parafernália e o esparguete de cabos – um pequeno grande estúdio – iludem a simplicidade. Não há ideais de gigantismo nem traços de rock sofisticado à U2.
Estes LCD Soundsystem conciliam a própria história com a dos discos ouvidos. E não a escondem, quando citam "Radioactivity" dos Kraftwerk no prólogo de "I Can Change", ou como quando Nancy Whang faz de Diana Ross enquanto sobre "I Want Your Love" dos Chic, introduzida por uma leitura de banda de "I Can't Kick This Feeling When It Hits" de Moodymann.
O concerto é quase um DJ set. Pausas são raras. As canções saltam de umas para outras sem quebras.
Geram-se momentos de comunhão coletiva como "Tribulations". "Daft Punk Is Playing At My House" ganha uma versão drogada com speeds após a solenidade de "Someone Great".
David Bowie, Talking Heads, Roxy Music, Suicide, Killing Joke, Kraftwerk e Clash correm nas veias. Má notícia: este é uma banda de meia-idade que somou público mas não o renovou; boa notícia: a meia-idade ainda sai à rua para ver um concerto. E diverte-se.
Quando "Dance Yrself Clean" e "All My Friends" dão por finalizado o passeio pela memória – dos LCD e dos outros – há uma sensação geral de partilha.
Quem chegou depois de 2011, pôde finalmente vê-los. Quem não ficou saciado da última vez, matou a fome. E apesar de criativamente, "American Dream" refletir a passagem do tempo, estes são os LCD com todas as propriedades: sonoras, visuais e sobretudo humanas.
São banda, coletivo e editora. Têm um timoneiro assumido. Mas sobretudo, é um grupo de pessoas que faz música pelas razões certas e nunca perdeu essa sinceridade. Apesar da grandeza inesperada, do consenso universal, do reconhecimento crítico e das ovações.