Maria João Bastos. ‘Gosto muito que me coloquem desafios’

Vem em formato de livro, mas Maria João Bastos prefere chamar-lhe partilha. Em Life Style, a atriz e modelo – que também já lançou uma linha de maquilhagem – partilha os seus rituais de beleza, as dicas de alimentação que começou a aprimorar no Brasil e quais as mulheres que a inspiram, tudo seguindo a…

Como surgiu esta ideia?

Partiu de um convite que a editora me fez. Até o ter recebido nunca me tinha passado pela cabeça escrever um livro, e portanto recebi-o com alguma surpresa e admiração até. Por que é que haveria de escrever um livro? A minha primeira reação foi dizer que não. 

Não havia então aquele sonho escondido que algumas pessoas têm de escrever um livro…

Não. Mas depois fui para casa e comecei a ficar entusiasmada com a possibilidade de sair da minha zona de conforto. Isso tem sido uma característica ao longo da minha vida. Gosto muito que me coloquem desafios e gosto muito de colocar desafios. E gosto dessa adrenalina de fazer alguma coisa que não está no meu âmbito. A exigência fascina-me.

Porque acha que a editora pensou em si, que argumentos usaram?

Porque, enfim, me consideravam uma referência da elegância em Portugal, sabiam que o público via essas características em mim, porque tinha uma linha de maquilhagem e porque estava sempre muito ligado a um universo muito feminino. 

O que descobriu neste mundo editorial, que não conhecia?

Aprendi imenso. Este era de facto um universo com o qual eu nunca tinha tido nenhum tipo de contacto. Trabalhei com uma equipa fantástica. Sou muito exigente em tudo o que faço e portanto tinha a certeza de que para fazer queria fazer o melhor. É óbvio que em todos os processos de criação existem momentos de angústia de escolha, muito semelhante também ao processo de construção de uma personagem. O desconhecido também foi um desafio, tive que aprender muita coisa sobre a matéria e isso foi muito giro, mesmo. A primeira coisa a fazer foi a criação propriamente dita do conceito do livro e como iria passar essa informação.

Isto porque não é um livro só sobre moda, tal como o nome indica é sobre um estilo de vida. Foi a João que escolheu os temas?

Sim, fui eu que escolhi os temas, o conceito, tive um grande apoio da equipa, mas é de facto o meu livro.

E é um livro muito diferente logo pela forma, é quase uma revista em termos de imagem.

Sim, e essa parte foi uma das coisas mais difíceis. Criamos uma ideia, mas na prática nem sempre é fácil concretizá-la porque nos deparamos com vários obstáculos a vários níveis. O livro é relacionado com as minhas referências de cinema, com as atrizes que me inspiram, e tendo eu tantas, o difícil foi ter que escolher apenas algumas.

Quem deixou de fora, por exemplo?

Foram tantas… Mulheres a quem eu gostaria de ter dado um destaque maior como a Charlotte Rampling, a Julianne Moore que é uma das minhas atrizes preferidas… São imensas. Escolher só alguns filmes, só algumas atrizes, confesso que foi difícil. Lá está, na parte criativa temos uma grande liberdade, e depois na conceção tropeçamos em obstáculos a vários níveis e aí é preciso ceder. Por exemplo, em algumas fotografias que eu queria ter tido e não tive, e foi preciso substituir a minha ideia por alguma coisa que continuasse a representá-la. Esse processo de abrir mão foi um bocadinho difícil, mas também foi uma aprendizagem. Acabou por resultar e posso dizer que tudo o que está aqui no livro são só escolhas minhas, as minhas referências e foi uma ginástica para conseguir colocar, como disse e bem, tanta fotografia. Há um investimento muito grande a esse nível e estou muito feliz com o resultado. De resto, não diria que foi difícil, mas foi exigente. Pesquisei bastante, li muito. Depois congelei durante uns meses o processo do livro porque estive a fazer um projeto muito importante para mim como atriz, que foi as Três Mulheres em que eu dava vida à Vera Lagoa, e foi um trabalho de pesquisa inacreditável em que mergulhei num universo muito diferente do meu. Durante pelo menos quatro meses estive entre 1961 e 1971 na pele de uma outra mulher.

Mas que também tinha uma ligação com moda muito interessante.

Sim! E que era uma mulher inspiradora e forte, quase poderia estar no livro. E depois retomei, foram meses muito intensos. Parece muito fácil, mas foram precisas muitas horas de trabalho e muitas noites. Há muita coisa que ficou para trás, que escrevi e pensei e que nem sequer entrou no livro.

O que gostava que este livro ensinasse às pessoas? Obviamente que não é nenhum livro de auto-ajuda, mas há sempre algo a retirar.

Não é de todo. Este livro não pretende de maneira nenhuma ditar regras, ou ensinar, apesar de acreditar que algumas pessoas vão ler algumas coisas pela primeira vez e aí vai ser interessante. Penso que este livro é exatamente o que lhe chamei – é uma partilha. E a partilha também é muito boa, mesmo que já saibamos o que estamos a ler. Por exemplo, gosto muito de revistas mensais de moda, que adoro comprar e ler. E se formos a pensar na maioria dos temas que a revista fala não são novos, são apenas abordagens diferentes, chamadas de atenção. Leio coisas que já sei mas continuo a comprá-las quanto mais não seja para me lembrar e para me motivar. Foi um bocadinho na perspetiva de partilhar aquilo que faço, até porque com a minha linha de maquilhagem e no contacto com o público fui muito abordada por pessoas que me pediam dicas de cuidados de beleza. Na verdade não conto nada de novo no livro, não descobri a pólvora, simplesmente partilho o que faço e o que gostava é que isto incentivasse alguém, da mesma maneira que para mim é um incentivo ler matérias que me dão um extra de vontade de me cuidar mais. Quis passar aquilo em que acredito: se nos cuidarmos, isso vai-nos fazer bem quer a nível pessoal quer a nível profissional. 

É um bocadinho a desconstruir a ideia de que a vaidade é só algo fútil?

Exatamente.

A propósito do suicídio do Anthony Bourdain, e sabendo nós que as doenças mentais fazem cada vez mais parte do léxico da sociedade, acha que a auto-estima que vem do facto de uma pessoa se cuidar pode ser usada para combater as tendências depressivas?

Sem dúvida. Ajuda a combater essa tendência que existe cada vez mais. O mundo está muito exigente e às vezes não é fácil. Mas acho que se tivermos confiança vamos conseguir superar melhor os obstáculos. Precisamos de cuidar da nossa mente, do nosso corpo, do nosso espírito e do amor-próprio para conseguirmos encarar tudo aquilo com que nos vamos deparar na nossa vida. Acredito piamente que devemos cuidar de nós, e acima de tudo é disso que se trata. Uma mulher e um homem quando se cuidam estão a amar-se, portanto saem de casa a amar-se um bocadinho mais. Digo aqui que gosto de cara lavada, mas que colocar um rímel e um blush pode fazer toda a diferença no nosso dia e que pode dar aquela dosezinha extra de segurança, e que o tempo que perdemos entre aspas connosco nos vai dar confiança para aquele dia.

Só cuida de si quem está bem consigo próprio?

Exatamente. O intuito desta minha filosofia é de facto esse. Quando as pessoas querem às vezes superar um problema, também usam isto para o combater. De repente cortam o cabelo, ou começam a maquilhar-se mais porque precisam de se amar para superar. Em vez de usar só isso quando estamos mal, vamos fazê-lo todos os dias.

Coco Chanel dizia que uma mulher que corta o cabelo está prestes a mudar de vida. A sua proposta é que o façamos sempre?

Diariamente.

Vamos falar de alimentação. Partilha algumas receitas no livro tanto suas como de amigos e explica o que come ao pequeno-almoço. Segue sempre estas dicas?

Diria que em 80% dos meus dias ao longo do ano esse é o meu pequeno-almoço. Não sou uma pessoa de comer muito de manhã, e encontrei essa alternativa nutritiva e energética. Tornei-me muito mais saudável quando fui viver para o Brasil há 18 anos. Deparei-me com um cuidado das pessoas consigo próprias muito grande, quer ao nível da alimentação quer ao nível de beleza. Eles têm muito o culto do corpo que não passa unicamente com o cuidado exterior, mas também com uma preocupação com a saúde através da alimentação. Comecei a comprar e a ler muitos livros sobre o assunto e foi aí que mudei a minha perspetiva em relação a essa matéria. Demorei muitos anos a fazer algumas substituições. 

Mas é fundamentalista, nunca põe o pé na argola?

Não sou de maneira nenhuma, como tudo! Quer dizer, não como carne. Mas sou um bom garfo, adoro comer, e nunca fui fundamentalista em relação a nada. Se comer fora e se tiver vontade de algo que sai da minha rotina como sem problema. O grande cuidado que tenho, e que é grande parte da nossa vida, é a minha alimentação em casa, que é sempre saudável. E isso acho que já é uma boa compensação.

Passemos então para a maquilhagem. Deita-se sempre sem maquilhagem?

Sempre, isso não abro mão. A ideia que tento aqui passar às pessoas em relação aos cuidados de beleza e que, para mim, é o principio fundamental para se ter bons resultados é a disciplina. Não vale a pena querer mudar de um dia para o outro quando não se teve cuidados nenhuns até aos 40 anos. Vai-se sempre a tempo, atenção, mas não existem cremes milagrosos. Quanto mais disciplina e mais cedo se começar melhor. Se tornarmos alguns cuidados numa rotina do dia a dia eles passam a ser fundamentais, e há um momento a partir do qual não se consegue deixar de os fazer. Por exemplo, jamais saio de casa sem protetor solar, faça chuva ou sol. Tornou-se um hábito de tal forma enraizado na minha rotina que hoje em dia não consigo mesmo. 

Foi aprendendo os truques da maquilhagem com os profissionais ou procurou informar-se mais sobre essa área?

Sempre fui muito fascinada por maquilhagem desde miúda, e o livro tem esta particularidade, vou interligando os temas do livro com histórias da minha vida e com as minhas referências. Disse desde criança que queria ser atriz, e a maquilhagem foi uma grande parceira das minhas brincadeiras, muito mais do que bonecas. Ganhei muito cedo a ideia de que a maquilhagem podia criar personagens. Depois comecei no teatro com 12 anos e era a minha mãe que me maquilhava antes das peças e guardo esses momentos com muita ternura, porque também simbolizam o apoio que sempre tive dos meus pais e das minhas irmãs relativamente ao meu sonho de ser atriz. Depois acabei por trabalhar como manequim durante seis anos e era maquilhada para os desfiles e para as fotografias, e por fim, quando comecei a trabalhar profissionalmente como atriz, a maquilhagem passou a fazer parte de todos os dias e nunca fui uma miúda de estar desatenta a esse momento. Muitas das minhas amigas aproveitavam para ler, comer, falar ao telefone enquanto estavam a ser maquilhadas e eu estava sempre a ver o que estavam a fazer. Fui fazer um curso com a Cristina Gomes, comecei a praticar muito em mim porque adoro maquilhar-me, e lancei a minha linha. Mas não há nada como praticar. Costumo responder às senhoras que me dizem que não se sabem maquilhar que ninguém sabe, mas que toda a gente aprende. E felizmente a maquilhagem pode tirar-se, portanto podemos errar! Temos que praticar, experimentar os tons que nos ficam bem, conhecer bem o nosso rosto.

Sente-se confortável a maquilhar-se a si própria para um momento profissional?

Já me maquilhei várias vezes, principalmente quando estou fora em eventos profissionais. Por exemplo nos Independent Spirit Awards em Los Angeles, ou no Festival de Cinema de Veneza. Às vezes prefiro ser eu a maquilhar-me porque não conheço as equipas. É um momento importante para as nossas vidas e carreiras, emocionalmente marcante, e eu quero estar bem. Se for eu a fazer pelo menos tenho a certeza de que me vou sentir bem! Mas cá tenho a minha equipa e conheço muitas maquilhadoras. 

Acha que é pior um bom produto mal aplicado ou um produto menos bom aplicado com mestria?

Um produto menos bom aplicado com mestria! Quando não temos a certeza de como aplicar o melhor é aplicar pouco (risos). ‘Less is more’ em tudo!

Já tem uma linha de maquilhagem. Gostava de ter uma linha de roupa ou sapatos?

Nunca tinha pensado nisso… Uma coisa de cada vez! Mas se houvesse oportunidade seria um desafio que abraçaria com muito gosto, qualquer uma das linhas. Mas a minha grande paixão no que toca à moda são os sapatos.

Já que falou nisso… Aqueles sapatos stilleto assim com um ar muito impraticável… Quanto tempo é que uma mulher consegue aguentar confortavelmente?

Depende bastante de cada mulher. Falando em mim, confortavelmente, e acho que já é a esticar a corda, duas ou três horas. Mas aguento a noite inteira!

E no fim da noite?

Não tenho pés (risos). Mas no fim da noite, quando posso, descalço-me e agarro nos sapatinhos.

Em termos de elegância, ainda não há nada como uns sapatos stilleto?

Ainda não. Mas defendo vivamente que não há nada mais elegante do que o conforto. Não adianta o sapato ser lindo e a mulher andar com os pés todos tortos! Isso não é elegante e não fica bonito. Mais vale escolher um salto um bocadinho mais baixo. Há sapatos lindos, com muita pinta que não precisam de ter 12 centímetros de salto.

Só uma pergunta final sobre roupa: não sente que às vezes as pessoas andam todas um bocado vestidas de igual?

Acho que o que pode haver é algumas pessoas ainda não terem encontrado o seu estilo. Espero que de alguma forma o livro ajude algumas mulheres a despertar a atenção para algumas ideias, que as podem ajudar a encontrar o seu próprio estilo. O estilo é sem dúvida nenhuma tu conseguires expressar a tua personalidade através das tuas escolhas na moda.

E há pessoas cujo próprio estilo pode ser não ter estilo?

(risos) Acho que toda a gente tem o seu estilo! Com estilo ou sem estilo (risos).