Quando Jim Courier chegou a Roland Garros em 1993 com o estatuto de bicampeão do torneio, reparei que outros jogadores e jornalistas o tratavam por ‘The Boss’.
Dois anos mais tarde vi Thomas Muster vencer em Paris e ser proclamado ‘Rei da Terra Batida’, um epíteto de que ninguém se apoderara desde o sexto troféu de Bjorn Borg em 1981.
Borg, Courier e Muster foram diferentes mas tinham algo em comum, uma aura de fisicamente inquebráveis que intimidava.
Ninguém poderia prever que um dia veríamos todas estas características reunidas num único jogador.
Pensei que nunca mais haveria outro monarca além do ‘Rei Borg’, mas quando um dia Rafael Nadal pendurar de vez as raquetas, deixará órfão o cognome de ‘Rei da Terra Batida’, tal como Michael Jordan extinguiu a camisola 23 dos Chicago Bulls.
Provavelmente nunca mais outro jogador ser-lhe-á equiparável neste piso: 11 títulos em Roland Garros (máximo mundial num mesmo Major), 11 títulos em Monte Carlo (recorde num mesmo Masters 1000), 11 títulos em Barcelona (recorde num mesmo ATP 500), num total de 57 títulos em terra batida (recorde).
O fator físico de intimidação ganhou outra dimensão com o maiorquino em Paris. Nos últimos dois anos perdeu apenas um set no torneio! E em encontros em terra batida à melhor de cinco sets tem um esmagador recorde mundial de 111 encontros ganhos e apenas dois perdidos (Robin Soderling em Roland Garros 2009 e Novak Djokovic em Roland Garros 2015).
Não admira que se tenha sabido pelo testemunho do funcionário Philippe Vaillant, que a equipa de manutenção dos courts de Roland Garros lhe arranjou a alcunha de ‘Le Patron’.
Na quinzena parisiense o campeão de 17 Majors fica sempre no mesmo hotel, frequenta quase sempre os mesmos restaurantes, teve o mesmo condutor entre 2008 e 2017, alinha as garrafas religiosamente no court num ritual que ele próprio considera «estúpido», manda os seus familiares e equipa técnica sentarem-se obrigatoriamente no mesmo local no camarote, leva sempre duas toalhas quando vai servir e exige que o apanha-bolas que lhe passa a toalha não seja o mesmo que lhe dá as bolas, puxa o elástico das cuecas num tique que reconhece ser «ridículo»… e poderíamos enumerar outras superstições.
Sim, o ‘Touro de Manacor’ tem as suas crendices, mas sabe que não são elas que o levam às lágrimas de alegria enquanto morde a Taça dos Mosqueteiros. Nada é deixado ao acaso. É um estudioso da modalidade, um analista sagaz, um estratega sem par, um atleta permanentemente em evolução e é disso que falarei para a semana.