Depois de uma cimeira G7 atribulada, o ambiente mantém-se particularmente tenso entre os dois vizinhos Canadá e Estados Unidos. A postura agressiva de Trump em relação ao comércio tem levado a uma dura troca de acusações com Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadiano. Este último mostrou-se particularmente incomodado com a expiração do regime de exceção das famosas tarifas do aço e alumínio, impostas com base num dúbio argumento de segurança nacional. Trudeau considerou tratar-se de uma afronta, evocando os tempos em que soldados de ambos os países combateram lado a lado. Parece inequívoco que ambos os líderes entraram no ringue, mas na gíria do boxe, é mais provável que tal se trate mais de um round de sparring do que necessariamente de um verdadeiro combate.
O método negocial abrasivo de Trump contrasta fortemente com a tradicional diplomacia internacional. Muitos analistas referem que o Presidente dos EUA tem vindo a aplicar a mesma estratégia que praticou no mundo imobiliário durante anos, o famoso Art of the Deal, que se tornou num dos seus livros mais conhecidos. Em termos gerais, tal consiste em abrir a negociação com exigências extremas e pressão máxima sobre o outro lado. Este excesso foi observado recentemente no duelo travado com a Coreia do Norte: há uns meses observámos o pico das ameaças de guerra – via Twitter – que agora culminaram numa cimeira inédita que abriu caminho para a desnuclearização.
Trump parece estar a aplicar o mesmo método negocial em relação ao comércio com o Canadá, e em concreto, nos termos do acordo de comércio livre EUA-Canadá-México (NAFTA) que deseja renegociar. Contrastando com outros países que tem confrontado, a balança comercial entre EUA e Canadá encontra-se bastante equilibrada; aliás, em 2017, os EUA registaram um défice em trocas de produtos que foi mais que compensado pelo superavit em termos de serviços. Porém existe um alvo para o qual os golpes de Trump apontam, revelado numa das mais recentes tempestades de tweets. Em 2008 foram removidas as últimas tarifas sobre produtos incluídos no acordo NAFTA, porém existem setores isentos aos quais foi permitido manter algum grau de protecionismo. O setor agrícola canadiano é o caso mais evidente, com especial incidência nos laticínios, onde podem ser ativadas tarifas entre 200 a 300% caso a produção canadiana atinja uma certa quota anual.
Esse é o flanco que a recente pressão americana pretende atingir – uma cedência de Trudeau neste ponto. Porém será uma manobra difícil para o canadiano executar, considerando a influência política do setor em causa e o facto do primeiro ministro ter de lutar pela reeleição em 2019. O risco, uma vez mais, é o de um escalar de tarifas retaliatórias e no extremo o cancelamento do acordo NAFTA. As consequências de tal dissolução seriam desastrosas para os três países, pois o acordo firmado em 1994 fomentou um crescimento assinalável no grau de interligação das respetivas economias. Os previsíveis custos de disrupção destas cadeias de produção complexas deverão forçar a um acordo que determine um prazo gradual de redução das proteções que ainda permanecem. A confirmar-se, o método mantém-se: a ameaça de guerra abriu a possibilidade de haver paz, e a ameaça de tarifas abriu a porta a mais comércio livre. Uma autêntica montanha russa diplomática – resta esperar que se mantenha nos carris da racionalidade.
*Gestor de portfolio multi-ativo no BiG – Banco de Investimento Global