O verão chegou finalmente esta semana, mas não como se idealizava. Depois de uns primeiros dias de sol, o aumento acentuado das temperaturas, a par de radiações UV elevadas, veio acompanhado por chuva forte, granizo e até trovoada um pouco por todo o país.
O resultado? Estragos em várias localidades. Na quarta-feira, no norte do país, os concelhos de Vila Real, Armamar, Resende e Lamego foram palco de várias ocorrências que mantiveram as autoridades ocupadas durante a tarde. Lamego foi a cidade mais afetada: uma «precipitação anormal, sob a forma de granizo de grande calibre», palavras de um comunicado da autarquia, resultou em cerca de 50 ocorrências, entre inundações, infiltrações, queda de árvores e cortes de energia elétrica – alguns dos quais, de resto, ainda se verificavam na quinta-feira. A violência da precipitação foi tal que provocou estragos especialmente sérios na produção agrícola, o que motivou a ida de técnicos do Ministério da Agricultura ao terreno para avaliar os danos. Em comunicado enviado à Lusa, o ministério dirigido por Luís Capoulas Santos veio assegurar que «a queda de granizo e chuva são riscos cobertos pelos seguros agrícolas, que o Estado financia a 60%, o que significa que há mais de 11 milhões de euros para esses estragos».
Ironicamente, quinta-feira – o dia do solstício de verão – ficou enevoado por um aviso amarelo emitido pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para dez distritos devido à precipitação. Nesse dia, o concelho de Vila Real foi outra vez atingido pelo mau tempo. «Foram duas horas de temporal como eu nunca vi nesta altura do ano. Vento, granizo e muita chuva, relâmpagos, uma descarga elétrica que, como disse, não tenho memória de ter visto algo com esta dimensão num curto espaço de tempo e no final de junho», descreveu à TSF o autarca Rui Santos. No mesmo dia, o concelho de Chaves foi também um dos mais prejudicados pelo mau tempo, com inundações, infiltrações e estragos nas culturas agrícolas.
O que se passa com o tempo?
Filipe Duarte Santos, professor especialista em alterações climáticas, atribui a instabilidade meteorológica às alterações climáticas. O especialista admite mesmo que estados de tempo como o que se tem verificado por cá vão, no futuro, ser cada vez mais frequentes.
Ao SOL, o investigador ajuda a perceber o contexto: «As emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso, já provocaram um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície de um grau». Os gases com efeito de estufa, lembra o especialista, potenciam as alterações climáticas. A par dessa preocupação, existe uma outra: é que, «para que se cumpra o Acordo de Paris, só poderemos aumentar a temperatura mais outro grau Célsius», alerta o professor.
O Acordo de Paris, recorde-se, foi aprovado em 2015 na cimeira climática da Organização das Nações Unidas (ONU) – e entre as principais premissas está a manutenção do aumento da temperatura global «bem abaixo» dos 2 graus centígrados (2ºC), firma o documento. Os riscos começam a estar à vista. «Com este aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície, as ondas de calor estão-se a tornar mais frequentes e, no futuro, ainda vão ser mais frequentes, se se continuar a não controlar as emissões de gases com efeito de estufa, especialmente do dióxido de carbono, que é emitido na combustão dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural», diz Filipe Duarte Santos. Uma onda de calor, esclarece o especialista, é um fenómeno em que «durante pelo menos cinco dias seguidos, a temperatura está bastante acima da média da temperatura observada nos últimos 30 anos para esses dias».
Ao mesmo tempo que as ondas de calor se tornam mais frequentes, o especialista prevê um outro fenómeno. «Quando a temperatura na atmosfera é mais alta, a atmosfera pode conter mais vapor de água e o vapor de água é que está na origem, depois, da precipitação», elucida. Para clarificar, Filipe Duarte Santos exemplifica com uma situação familiar: «Quando estamos na casa de banho a tomar duche e a temperatura da casa de banho, sobretudo se for pequena, aumenta, o ar, dentro da casa de banho, fica com mais vapor de água, e a certa altura até parece que há nevoeiro».
A combinação de mais vapor de água na atmosfera e temperaturas mais elevadas provoca o aquecimento da superfície do solo e daí resultam «movimentos convectivos, que é o que está na origem das trovoadas», acrescenta o professor. O que pode ajudar a explicar por que motivo se vão tornando mais habituais. Para Filipe Duarte Santos, as condições meteorológicas que se têm feito sentir não são assim anormal, mas até algo previsíveis. «É uma coisa que é expectável e que se vai tornar cada vez mais frequente no futuro, se não controlarmos as alterações climáticas. Não são grandes notícias, mas é o que a ciência diz».
Do lado do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o discurso é menos definitivo. «Não é uma situação inédita, ainda que possa não ser muito frequente. Não posso generalizar um junho que tem estado algo instável em relação ao que lá vem no futuro. Esta primavera e agora o início do verão, estamos com esta depressão, é uma época de transição», diz a meteorologista Cristina Simões.
O que esperar nos próximos dias
Segundo a mesma fonte do IPMA, o que tem motivado as condições climatéricas dos últimos dias é «uma depressão centrada a oeste do território do continente».Na sexta-feira, no entanto, a depressão deslocou-se ainda mais para oeste, e por isso durante o fim de semana e até ao início da próxima semana espera-se «menor intensidade dos aguaceiros, que se vão verificar mais nas regiões norte e centro.
Quanto à temperatura, o termómetro deve baixar de novo domingo para uma semana, regra geral, abaixo do 30ºC.