Uma das grandes surpresas do Mundial que se vai disputando na Rússia desde o passado dia 15 – se não a maior – aconteceu no último domingo: a Alemanha, campeã do mundo em título, estreou-se com uma derrota perante o México (0-1). Inesperado, pela valia teórica das duas equipas, mas também por outros fatores… extra-campo. Nos últimos dias de preparação antes da viagem para a Rússia, um escândalo sexual atingiu a seleção mexicana: oito jogadores, entre os quais os nossos conhecidos Hector Herrera (FC Porto) e Raúl Jiménez (Benfica), foram acusados pela imprensa de ter participado numa orgia com 30 prostitutas – e rapidamente surgiu um vídeo nas redes sociais, filmado por um dos atletas, a mostrar de facto os mesmos a ‘festejar’ com várias mulheres nuas num jacuzzi.
Chicharito Hernández, que nem estava nos nomes inicialmente adiantados, apressou-se a garantir que a festa se referia às celebrações do seu aniversário, revelando que todo o plantel estava presente, à exceção do guarda-redes Corona, devido a questões pessoais, e negou que as convidadas fossem prostitutas. «Deram-nos a noite livre e o pessoal organizou-me uma festa. Jantámos, depois chegaram muitos convidados e cada jogador foi-se embora à hora que quis. No dia a seguir reunimo-nos para a concentração. Nós temos poucas oportunidades para estar os 23 ou 24 todos juntos e passar um bom momento. Prostitutas? Nunca. É uma falta de respeito para os convidados e familiares dizer isso», relatou o avançado, embora reconhecendo que não voltaria a fazer o mesmo.
A polémica, refira-se, causou sérios transtornos a alguns elementos da equipa – isto, apesar da posição oficial da Federação asteca, que rejeitou aplicar qualquer castigo aos jogadores, lembrando que estes tinham a noite livre. Com especial destaque para Herrera, que obteve mesmo permissão especial do selecionador para regressar a Portugal por um dia e tentar obter o perdão da esposa. Houve mesmo quem criasse um evento no Facebook destinado exatamente a isso: «Herrera é peça indispensável no plantel asteca, pelo que é de extrema importância que ele esteja tranquilo e relaxado durante os próximos dias. É por isso que convocamos esta marcha, para que a sua esposa o perdoe», podia ler-se na página do mesmo.
Os mexicanos, diga-se, estão longe de ser virgens neste tipo de polémicas. Nos últimos anos houve vários relatos de orgias com prostitutas, inclusive transsexuais, e até detenções de jogadores, como aconteceu em 2008 com o capitão e guarda-redes Oswaldo Sánchez. Em 2010, após um particular com a Colômbia, Carlos Salcido terá tido sexo com Yamile, uma transsexual que havia conhecido via redes sociais e que disse, mais tarde, ser amiga de alguns dos jogadores da seleção. O histórico defesa mexicano acabou por pedir desculpa pelo sucedido, mas Carlos Vela e Efraín Juárez foram suspensos por seis meses, com mais nove jogadores a ser multados em cerca de dois mil euros – entre os quais Guillermo Ochoa, Giovani Dos Santos, Chicharito Hernández, Rafa Márquez e Héctor Moreno, todos membros da atual equipa.
No mesmo ano, os sub-22 também se envolveram em problemas. Vários jogadores denunciaram ter sido roubados no hotel onde preparavam a participação na Copa América, mas os vídeos de vigilância mostraram terem sido algumas mulheres levadas por eles para o hotel – alegadamente prostitutas – a fazer os furtos. Oito jogadores foram multados e suspensos por seis meses.
Masturbação é lema para os portugueses
Depois, há o outro lado da moeda: a programação ao detalhe e o rigor exaustivo na elaboração e no cumprimento de regras de comportamento. Em 2014, Joachim Low permitia aos jogadores da Alemanha receber as mulheres e namoradas na concentração da equipa no Mundial do Brasil (e até mesmo tê-las lá em permanência)… e acabou a celebrar o título. Este ano, tomou a decisão contrária: nada de sexo durante a prova. E nada de partilhar fotografias nas redes sociais – salva-se a permissão do consumo de bebidas alcoólicas (de forma moderada, obviamente: uma cerveja ou um copo de vinho ao jantar e antes de irem para a cama).
Há ligação causal entre as duas realidades e o resultado de domingo no Estádio Luzhniki? Dificilmente se poderá afirmar que sim. Mas a verdade é que os jogadores mexicanos fizeram uma exibição extraordinária, especialmente na primeira parte, com um vigor, uma concentração e uma determinação férreas. Do outro lado, pelo contrário, os alemães apareceram tristonhos, sem qualquer rasgo ou inspiração e com sérias dificuldades para travar o ímpeto mexicano. Uma «orgia de futebol», como lhe chamou a imprensa mexicana, e o escândalo sexual a passar rapidamente para um plano secundário.
Na verdade, os ‘muchachos’ de Juan Carlos Osorio não terão descoberto a pólvora no que a este tema diz respeito. Há muitos anos que se discute os benefícios e as desvantagens que podem advir de praticar relações sexuais antes de competições desportivas, e são inúmeros os exemplos que podem atestar a favor… das duas versões.
Ainda antes deste Mundial, por exemplo, a mulher de Rui Patrício abordou o tema. Vera Ribeiro é psicóloga e sexóloga e, no programa ‘Dr. Saúde’, da SIC, garantiu que a «abstinência forçada não é nada positiva», aconselhando à masturbação para redução da ansiedade e do stress, visto que os jogadores de Portugal também estão impedidos de ter relações sexuais durante o Campeonato do Mundo. «Aí poderão obter os tais benefícios: melhor sono, melhor descanso. Os níveis de cortisol são mais controlados, tem melhores resultados no stress e ansiedade. O jogador de futebol não deve abster-se de ter relações sexuais antes dos jogos, mas também sabemos que em termos de rotina não estão em contacto com as família. Obviamente que a parte psicológica, sentimental e bem-estar que o sexo promove e o facto de estar equilibrado nesse nível vai trazer aspetos positivos à sua performance», realçou Vera Ribeiro, considerando que uma coisa não prejudica a outra – deu mesmo o exemplo da Rússia, que permitiu que os jogadores tivessem relações com as companheiras durante o estágio de preparação para o Mundial.
Este tema começou a ser encarado de forma mais aberta a partir de 1994. No Mundial dos Estados Unidos, Roy Hodgson, então à frente da seleção da Suíça, proibiu os atletas de praticar sexo durante a competição. Já o selecionador da Bolívia, Xavier Askargorta, permitiu que os jogadores tivessem relações sexuais quando bem entendessem. Carlos Alberto Parreira, técnico doBrasil, deu igual consentimento, mas apenas nas folgas. «Tudo sem exageros, mas não é por falta de sexo que a seleção perderá o título. Visitas de mulheres são proibidas na concentração, mas no plano de treinos há várias folgas. Não faltarão oportunidades para os jogadores saírem», declarou então. Enão perdeu mesmo: o Escrete conquistou então o tetracampeonato, conseguindo o primeiro título mundial em 24 anos.
Romário, a grande figura dessa equipa, era conhecido por gostar de passar noites em claro com companhias femininas antes dos grandes jogos. O próprio nunca o negou – chegou a admitir ter levado mulheres para concentrações da seleção «em vários hotéis», além de fugir dos estágios para esse efeito. «Um conselho para Gabriel Jesus? Muito sexo! Essa é uma das minhas dicas, assim como aproveitar o máximo que puder os dias de folga e, claro, estar concentrado nos dias de jogo e dentro de campo», disse ao jornal brasileiro Lance antes do início deste Mundial.
Em 1998, Mário Zagallo, selecionador canarinho, soltou esta pérola quando questionado sobre o assunto: «Sou a favor do sexo antes e depois e até durante o jogo!» Há quatro anos, Luiz Felipe Scolari não foi tão longe, mas também se mostrou liberal. «Sexo antes dos jogos? Se for o normal, sim. Feito de uma forma equilibrada. Há algumas formas e jeitos que são malabaristas. Aí cansa», disparou a sorrir.
Antigamente já se fazia
Os relatos de ‘loucuras sexuais’ durante os Mundiais, porém, já vêm de muito antes. Em 1938, em França, Giuseppe Meazza, figura central da seleção italiana que havia ganho o Mundial caseiro quatro anos antes – e conhecido por dormir em bordéis antes dos jogos do Inter de Milão, muitas vezes chegando em cima da hora das partidas e ainda marcar –, convenceu o militaresco selecionador Vittorio Pozzo a dar permissão aos jogadores para visitar uma casa de alterne na véspera de cada jogo. Resultou em pleno: a Squadra Azzurra sagrou-se bicampeã mundial.
Vinte anos depois, os jogadores brasileiros aproveitaram o facto de não terem autorização para ter as esposas na concentração… para conhecer os encantos das mulheres suecas – a maioria nunca havia visto jogadores de raça negra na vida. O médico do Brasil, Hilton Gosling, até tinha feito um pedido expresso aos responsáveis da unidade hoteleira para trocar as 28 funcionárias que ali trabalhavam por 28 homens, mas nunca conseguiria impedir que as loiras desejosas de conhecer os atletas canarinhos circundassem o hotel, inclusive atirando pedrinhas aos vidros das janelas dos craques. Os jogadores tinham permissão para dar um passeio pelos jardins ao lado do hotel após o jantar… e a magia acontecia. Garrincha, imortalizado como o Anjo das Pernas Tortas, nunca escondeu a sua predileção pelos prazeres terrenos: foram muitas as infidelidades que confessou e mais ainda aquelas nunca relatadas – o próprio assumia acreditar ter muitos filhos que não conhecia espalhados pelo Brasil.
E os canarinhos foram de facto campeões mundiais na Suécia. Como seriam também em 1962, no Chile, onde aproveitavam os dias de folga para visitar prostíbulos. Em 1970, Mário Zagallo deu-lhes liberdade total… e chegou o tri.
Em 1974, por seu lado, uma noitada de Johan Cruyff e outros três colegas com duas mulheres alemãs (e muito álcool) terá contribuído para deitar por terra os intentos da super-Laranja Mecânica – ou pelo menos assim ficou para a história o rumor, devido a uma manchete do jornal alemão Bild Zeitung na véspera do encontro com o Brasil para as meias-finais. A Holanda até venceu essa partida (2-0), mas o jornalista holandês Auke Kok garante que essa manchete causou danos no seio da equipa, com as esposas de Cruyff e companhia a ligarem insistentemente para os jogadores para pedir explicações. A verdade é que, na final, a favoritíssima Holanda caiu aos pés da anfitriã Alemanha (2-3).
Relatos semelhantes envolveram a Escócia de Kenny Dalglish, Gordon Strachan e Graeme Souness em 1978. Os escoceses tinham provavelmente a melhor equipa da sua história e chegavam à Argentina com o moral no topo, mas uma derrota inesperada perante o Peru logo a abrir (1-3) mudou tudo. Willie Johnston acusou positivo num controlo anti-doping e foi expulso da prova e a imprensa rapidamente começou a noticiar incidentes a envolver os jogadores, motivados por excesso de álcool, e desavenças dentro do grupo. Um empate no jogo seguinte, com o Irão (1-1), aumentou as proporções do escândalo, e nem a histórica vitória sobre a Holanda, a fechar (3-2), amenizou a participação.
Ibra, o conservador
Nestas coisas haverá sempre quem tenha opiniões díspares. Serginho Chulapa, avançado brasileiro no Mundial 82, evitava atividade sexual na véspera dos jogos porque considerava que o seu desempenho físico em campo era prejudicado se o fizesse. Zlatan Ibrahimovic, o lendário – e polémico – avançado sueco, dizia o mesmo há dois anos, garantindo que chegava aos jogos menos forte. Sinisa Mihajlovic, o novo treinador do Sporting, também se notabilizou enquanto selecionador da Sérvia por proibir os seus jogadores de fazer sexo antes de um jogo com a vizinha e rival Croácia, no apuramento para o Mundial 2014 – neste caso, a decisão deveu-se à importância do encontro.
Vários estudos feitos nos últimos anos, porém, desmistificam a ideia de que praticar sexo antes dos jogos é desfavorável ao desempenho em competição. Pelo contrário: garantem até que tal pode ser benéfico, devido ao seu efeito relaxante. «O que faz mal é o excesso. Prejudicial seria uma noitada, com bebida e sexo além da conta. Uma simples ‘transa’ no dia anterior à partida não representa risco. Sexo consome calorias, sim, mas nada que provoque fadiga. Uma relação sexual com orgasmo consome a mesma quantidade de energia de uma caminhada leve – até 200 calorias por hora. Trata-se de um desgaste facilmente reparável com alimentação e descanso adequados», afirmou José Mário Campeiz, preparador físico do Cruzeiro, à revista Super Interessante em 2016.