“Vou construir um grande muro – e ninguém constrói muros melhor que eu, acreditem. Para além disso, vou fazer com que o México pague esta construção”. Esta frase de Donald Trump iniciou um período turbulento nas relações entre os EUA e o México. Mas quando surgiu a primeira divisão na fronteira entre dois países? Ao contrário do que possa parecer, a primeira cerca serviu não para separar, mas para ajudar quem queria passar.
Foi há 100 anos, em agosto de 1918. O presidente do município mexicano de Nogales, Felix B. Peñaloza, mandou construir uma vedação ao longo da fronteira entre esta cidade e outra com o mesmo nome, mas localizada no Arizona – a zona era conhecida como Ambos Nogales. E para perceber a história desta cerca, é preciso recuar alguns anos.
Ambos Nogales
Fundada em 1882, Ambos Nogales era uma comunidade fronteiriça – pessoas dos dois países atravessavam a fronteira diariamente para tratarem de negócios, fazerem compras e até celebrar as comemorações de cada nação, como conta o site Smithsonian Mag. Mas tudo mudou em 1910, com o início da Revolução Mexicana, um conflito armado que fez cerca de dois milhões de mortos e que terminou com a vitória dos revolucionários. Uma das mais violentas batalhas ocorreu precisamente em Nogales, em 1913. Dois anos mais tarde, a cavalaria norte-americana passou a fronteira e defrontou um grupo de revolucionários que tinham disparado em direção aos EUA.
Para além de tudo isto, o início da Primeira Guerra Mundial (1914) trouxe ainda mais problemas na região fronteiriça – o contrabando de armas, a fuga de refugiados e a passagem de espiões internacionais começou a preocupar as autoridades norte-americanas e mexicanas. Mesmo assim, os líderes dos dois países não viram necessidade de construir um grande muro – eram tempos conturbados, que não iriam ditar o futuro das duas nações.
Antes do conflito de 1910, já existiam algumas cercas – os EUA, por exemplo, tinham colocado um fio de arame na fronteira da Califórnia apenas para os animais não vaguearem de um lado par ao outro e fosse, literalmente, pastar para outro país… Mas em 1918, depois de todos os problemas nas fronteiras, o governo mexicano sentiu a necessidade de criar algo mais consistente.
Atravessar em segurança
Felix B. Peñaloza não queria que as pessoas deixassem de atravessar a fronteira para os EUA, mas que o fizessem em segurança. Por isso, construiu uma vedação simples, composta por seis fios de arame, pendurados em postes com 1,80m de altura. O objetivo era fazer com que todas as pessoas que quisessem passar para terras norte-americanas o fizessem apenas através de duas entradas – assim, seria possível mais fácil para os polícias e restantes autoridades presentes na fronteira controlar quem queria passar e o que levava consigo.
Na altura, Peñaloza revelou que se tinha encontrado com representantes do governo norte-americano para ver se seria possível construir uma segunda vedação mas, desta vez, os encargos ficariam por conta dos EUA. Os mexicanos defendiam que esta segunda cerca ajudaria as autoridades de ambos os países a controlar a passagem de pessoas e a implementar as regras impostas no que diz respeito à migração, uma atitude que, segundo Peñaloza, “não iria irritar nem ofender os mexicanos”.
A verdade é que, a 27 de agosto de 1918, poucos dias depois da criação da vedação, a atitude de um homem custou a vida a 12. Este indivíduo, que nunca foi identificado, tentou entrar no México ‘à força’. Um inspetor norte-americano ordenou que aguardasse pela vistoria, mas o homem começou a correr, tentando escapar às autoridades. Instalou-se o caos e vários tiros foram disparados – 12 americanos e mexicanos morreram durante os confrontos, incluindo Peñaloza, o homem que criou a vedação.
Mais vedações
Mesmo com esta triste história, os EUA viram nas vedações uma forma eficaz de controlar os migrantes. Logo a seguir a este episódio, as autoridades norte-americanas criaram uma nova cerca em Calexico, na Califórnia. Nos anos 20, as vedações eram já algo ‘normal’ nas regiões fronteiriças.
Hoje, em Nogales, há uma vedação de aço ao longo de 16 quilómetros. Ao contrário do que aconteceu há 100 anos, esta divisão é, acima de tudo, uma afirmação política e uma barreira para os migrantes que procuram uma vida melhor – antes, era apenas uma maneira de os dois países cooperarem e criarem um ambiente pacífico na fronteira.
A agência Reuters revela que o número de mortes na fronteira EUA-México tem vindo a aumentar nos últimos meses, principalmente devido à exposição a altas temperaturas. As detenções de migrantes na fronteira também têm vindo a aumentar – Ao contrário do que se podia pensar, há mais cidadãos da Guatemala, Hounduras e El Salvador a serem detidos do que mexicanos.
O muro de Trump e as crianças separadas dos pais
Durante a candidatura a presidente dos EUA, Donald Trump garantiu que iria construir um muro na fronteira com o México, uma medida de chocou milhares de pessoas e agradou a outras tantas. Em março, o congresso norte-americano aprovou um orçamento de 1.600 milhões de dólares para a realização da obra, longe dos 25 milhões pedidos por Trump.
Recentemente, a política ‘tolerância zero’ de Donald Trump para a questão das migrações tomou proporções nunca antes vistas – crianças migrantes estavam a ser separadas das famílias e colocadas em centros com poucas ou nenhumas condições no Texas. Muitos disseram que se tratavam de verdadeiras “jaulas” para crianças.
O mundo ficou chocado com esta decisão do governo norte-americano e vários se manifestaram contra esta posição da administração Trump. Agora, o presidente dos EUA viu-se forçado a parar com esta política – imigrantes detidos sem a documentação em ordem não vão ser entregues à Justiça se chegarem a território norte-americano acompanhados por menores menores. Esta regra não se aplica a pessoas que tenham antecedentes criminais ou sejam suspeitos de abuso ou maus tratos.
Esta medida manter-se-á em vigor até que existam condições de julgar todas as pessoas nestas condições, sem que haja necessidade de separar as crianças das suas famílias. “Não estamos a alterar as nossas políticas, simplesmente ainda não temos dinheiro suficiente para as implementar”, explicou a porta-voz da Casa Branca, Sarah H. Sanders.